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A gente era feliz e não sabia – ou talvez alguns iluminados soubessem. Depois, veio a ruína. E agora nos resta a inveja dos Estados Unidos, que acabaram de copiar nosso mapa do paraíso.
É o que um desavisado corre o risco de extrair de um pequeno texto publicado dias atrás pelo presidente do IBGE, Marcio Pochmann, em meio ao alvoroço causado pelo tarifaço de Donald Trump.
No post, o economista elogia o modelo de substituição de importações, que no Brasil foi aplicado inicialmente por Getúlio Vargas, na década de 1930, e depois ganhou o estímulo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), criada pela ONU em 1948.
Sob direção do argentino Raul Prebisch e com marcante colaboração do brasileiro Celso Furtado, a Cepal se opôs ao modelo liberal clássico e defendeu a industrialização como caminho para os países ditos periféricos romperem a dependência em relação às economias centrais.
O receituário incluía intervenção estatal, barreiras comerciais e controle do câmbio, a fim de proteger empresas locais da concorrência estrangeira.
Pochmann brinca que Prebisch e Furtado "devem ter se remexido no caixão" com os anúncios de Trump.
"Dificilmente acreditariam que o modelo econômico da Cepal seria retomado e implementado nos EUA no ano de 2025 visando simultaneamente diminuir a dependência das importações e ampliar a produção nacional, sobretudo com a retomada da industrialização justamente naquele país que se situa no centro do capitalismo mundial", diz, sem disfarçar a admiração.
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Para Pochmann, ruína começou em 1990
O Brasil seguiu a cartilha da Cepal até o fim da década de 1980. Em 1990, Fernando Collor virou a chave e deu início a uma fase liberalizante, com abertura comercial e privatizações, levada adiante por Fernando Henrique Cardoso. É um projeto inacabado: nossa economia ainda é uma das mais fechadas do mundo.
Lá se vão três décadas e meia, mas Pochmann ainda não se conformou com o abandono do modelo da Cepal. Diz que ele foi adotado "com sucesso" no Brasil, mas que em seguida "o ingresso passivo e subordinado na globalização neoliberal" provocou a "ruína da sociedade urbana e industrial a partir de 1990".
Não há dúvida de que a substituição de importações teve papel crucial na formação e crescimento do parque industrial, na urbanização, na expansão do mercado de trabalho. Deve ser a isso que o presidente do IBGE se refere quando fala em sucesso.
Em 1985, a indústria de transformação atingiu o ápice de sua participação no PIB brasileiro, respondendo por quase um terço da geração de riquezas do país. Em 2024, apenas 12% do PIB veio do setor. Talvez esteja aí a ruína alegada por Pochmann.
O que ele não diz é que nos pretensos tempos de glória nossa indústria era essencialmente voltada para dentro, atrasada e incapaz de competir lá fora, como a abertura comercial rapidamente demonstrou. O que dizer dos carros e computadores brasileiros da época, para citar dois dos setores mais protegidos?
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Uma das exceções era a Embraer, que mesmo nos tempos de forte protecionismo e controle cambial teve liberdade para importar componentes – o Brasil era signatário de uma convenção internacional de aviação civil que os isentava de tarifas.
De resto, quem testemunhou os últimos anos do modelo econômico admirado por Pochmann – ou se informou minimamente sobre eles – sabe no que culminou o desenvolvimentismo brasileiro: crise da dívida, hiperinflação, empobrecimento e uma desconcertante sequência de planos econômicos para tentar recolocar a economia nos eixos.
Mas nada disso parece digno de nota para o chefe do principal produtor de estatísticas do país.








