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Ihor Kolomoysky, o magnata israelense-cipriota-ucraniano responsável por lançar Zelensky, foi preso.
Ihor Kolomoysky, o magnata israelense-cipriota-ucraniano responsável por lançar Zelensky, foi preso.| Foto: Anna Bezulik Spravedlivitch/Wikicommons

Nessa segunda-feira, o então ministro de Defesa da Ucrânia, Oleksii Reznikov, renunciou ao cargo, após o presidente Volodymyr Zelensky ter anunciado, no domingo, que solicitaria ao parlamento ucraniano a demissão do ministro. Reznikov ocupava o cargo desde novembro de 2021, desde antes da atual invasão russa à Ucrânia. Seu ministério ficou marcado por diversos casos de corrupção, provável motivo de sua demissão. Ainda assim, seria ele um bom e velho bode expiatório?

Nossos leitores viram aqui, em meados de agosto, sobre os casos de corrupção nas forças armadas ucranianas. Oficiais que chefiavam juntas de alistamento milionários, contrabandistas de armas com contratos polpudos, tudo isso em meio aos bilhões de dólares em ajuda militar dos EUA e de outros países da OTAN. Na conclusão daquela coluna, falamos justamente de como a corrupção nas forças armadas ucranianas poderia afetar o auxílio militar ao país.

“A corrupção nas forças armadas ucranianas torna-se, indiretamente, um problema para seus aliados, que também estão pagando essa conta. E podem querer deixar de fazê-lo.” Afinal, não pega bem um cidadão dos EUA ler as notícias e ver que o dinheiro de seu país está servindo para fins inescrupulosos, mesmo que seja uma fração relativamente diminuta do montante total. Ainda mais considerando que, daqui a catorze meses, teremos eleições presidenciais nos EUA.

A Ucrânia é um país com corrupção endêmica. Em 2021, antes da invasão russa, a Transparência Internacional colocou-a na 122º posição, de 180 países, no seu ranking de percepção de corrupção.

Também não é novidade que diversos políticos dos EUA já questionam o tamanho da ajuda militar aos ucranianos. Nas últimas semanas, na mídia dos EUA, também começaram a pipocar questionamentos sobre qual seria o real tamanho dos triunfos da contra-ofensiva ucraniana, que já dura algumas semanas, afirmando que a liderança ucraniana estaria com “aversão aos riscos”. Potencialmente devido ao fato de que a Ucrânia precisa de mais material humano do que pode contar atualmente.

A demissão do ministro da Defesa pode servir, então, como mero bode expiatório. Corrupção? Problemas na contraofensiva? Ele é, ou era, o problema e o problema foi, então, resolvido. A questão é que, primeiro, o sucesso ou fracasso da contra-ofensiva ucraniana pouco depende do ministro do momento, que é mais um gestor do que um comandante militar. Nos últimos dias, inclusive, os ucranianos teriam conseguido passar da primeira grande linha de defesas russas, apelidada de Linha Surovikin.

Segundo, o problema da corrupção na Ucrânia também não depende de um homem. Muito longe disso. A Ucrânia é um país com corrupção endêmica. Em 2021, antes da invasão russa, a Transparência Internacional colocou a Ucrânia na 122º posição, de 180 países, no seu ranking de percepção de corrupção. Em primeiro lugar estava a Dinamarca e, em último, a Somália, que mal é um Estado soberano. Ou seja, a Ucrânia está bem mais perto da Somália do que de um país nórdico nesse quesito.

A questão da corrupção e da governança pública era citada, também desde antes da invasão russa, como um dos grandes empecilhos para uma eventual entrada da Ucrânia na União Europeia. A Ucrânia não cumpre a maioria dos critérios europeus sobre governança, corrupção, democracia, transparência da máquina pública e combate ao crime organizado. Curiosamente, também essa semana foi preso Ihor Kolomoisky, bilionário ucraniano que também conta com nacionalidades de Israel e do Chipre.

Com a nomeação de Umierov, a Ucrânia terá um presidente judeu e um ministro da Defesa muçulmano, algo incomum em nosso período histórico

Ele ficará sessenta dias preso preventivamente enquanto seu império bancário, de mídia e de combustíveis é investigado por fraudes, inclusive nos EUA, que indiciaram o bilionário em 2020. Seu império midiático que ajudou a eleger o atual presidente Zelensky, que disputou as eleições contra o ex-presidente Petro Poroshenko. Um desafeto de Kolomoisky, no que dificilmente é uma coincidência. Operação anticorrupção, necessidade de agradar ao aliado em Washington ou conflito interno?

No ministério da Defesa, Reznikov será substituído por Rustem Umierov, que chefiava o Fundo de Propriedades Estatais na Ucrânia, que gerencia parte dos recursos das campanhas de privatização de empresas estatais. Umierov é um tártaro da Crimeia, minoria túrquica e muçulmana da península. A suposta proteção aos tártaros é, inclusive, elemento do discurso do governo da Turquia para justificar seus interesses nas conversas sobre a Crimeia e o futuro da península.

Umierov nasceu no Uzbequistão, destino de muitos tártaros que foram deportados da Crimeia nos anos de 1943 e de 1944, como parte de um política soviética de represália pelo colaboracionismo de alguns tártaros com os nazistas. Além da represália existia um motivo maior: tornar a península mais etnicamente homogênea, centrada nos russos. Com a nomeação de Umierov, a Ucrânia terá um presidente judeu e um ministro da Defesa muçulmano, algo incomum em nosso período histórico.

Mais importante que tudo isso é que Umierov será o quinto ministro da Defesa desde que Zelensky tornou-se presidente da Ucrânia, em maio de 2019. O mais longevo foi justamente o demitido Reznikov, que ficou quase dois anos no cargo. Se a troca de comando vai ajudar no esforço de guerra ucraniano ou se vai contribuir no combate à corrupção, o futuro que dirá. Considerando o histórico recente, entretanto, é bom ser cético quanto ao impacto da troca de um homem.

Atualização

Onde se lia "indicou", lê-se agora "indiciaram". Os EUA indiciaram o bilionário, portanto.

Atualizado em 06/09/2023 às 10:21
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