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Destruição em Kramatorsk, em Donetsk, uma das regiões anexadas pela Rússia desde a invasão da Ucrânia
Destruição em Kramatorsk, em Donetsk, uma das regiões anexadas pela Rússia desde a invasão da Ucrânia| Foto: EFE/EPA/YEVGEN GONCHARENKO

A Arábia Saudita sediará uma cúpula de paz para a guerra na Ucrânia neste final de semana. Representantes de cerca de 30 países vão se reunir na cidade de Jidá, no mar Vermelho, a segunda maior cidade do país, cujo papel de destino internacional tem crescido nos últimos anos.

As conversas de paz, entretanto, não são promissoras e não merecem muitas expectativas do público.

Dentre os países convidados estão diversas potências regionais e emergentes como Indonésia, Egito, México, Chile e Zâmbia, com destaque especial para Brasil e Índia, que integram o BRICS junto com a Rússia e têm mantido uma política de neutralidade e distanciamento no conflito. Jake Sullivan, conselheiro de segurança de Biden, representará os EUA.

O Brasil será representado por Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e atualmente assessor internacional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Amorim participará virtualmente do evento, para poder atender presencialmente a Cúpula da Amazônia, em Belém do Pará. Outras delegações, incluindo a dos EUA, estarão presentes na Arábia Saudita.

Proposta ucraniana 

O chefe de gabinete da presidência ucraniana, Andriy Yermak, confirmou as negociações e a presença do país na cúpula.

Ele enfatizou que as conversas devem girar em torno dos dez pontos da chamada Fórmula de Paz Ucraniana. Não haverá presença russa na Arábia Saudita nesse momento, fortalecendo a possibilidade de que a proposta ucraniana será a protagonista das conversas.

Esses dois elementos tornam as conversas muito provavelmente infrutíferas. Não somente a ausência russa, mas o fato de que, dentre a proposta de paz ucraniana, estão pontos que são absolutamente inaceitáveis para Moscou. Por exemplo, a retirada russa de todos os territórios ucranianos, o que inclui a Crimeia, e o estabelecimento de um tribunal especial para julgar autoridades e militares russos por crimes de guerra.

Uma reunião para reduzir as exigências ucranianas para a paz não teria a presença de 30 delegações, ela seria negociada diretamente entre o governo da Ucrânia e Washington.

O intuito da cúpula, então, é defender a proposta ucraniana perante os países neutros, tentando atrair a simpatia de, por exemplo, Brasil e Índia? Isso não vai acontecer, especialmente por razões econômicas.

Primeiro, porque a Índia é uma grande compradora de hidrocarbonetos russos, enquanto o agronegócio brasileiro depende de insumos fertilizantes de origem russa. Nenhum desses dois países vai sacrificar a sua economia pela Ucrânia, a realidade é essa, mesmo que desagrade os países europeus.

Segundo, mesmo que, por algum motivo imprevisto, Índia e Brasil defendam a proposta ucraniana, o que vai mudar?

Já combinaram com os russos? 

Existe um “causo” no folclore do futebol brasileiro que diz o seguinte: na Copa do Mundo de futebol de 1958, na Suécia, durante a preleção antes do jogo contra a União Soviética, o técnico brasileiro, Vicente Feola, reuniu os jogadores e expôs como seria a estratégia brasileira. Garrincha, em um misto de perspicácia e ingenuidade, perguntou ao técnico brasileiro se ele “já havia combinado com os russos” sobre sua estratégia.

É quase impossível não evocar esse “causo” ao ler sobre as conversas de paz em Jidá.

Do que adianta que todos os países presentes adotem a proposta ucraniana, se a Rússia não estará presente e já deixou claro que a rejeita frontalmente? Não se trata de um pequeno país que pode ser facilmente dobrado por pressão internacional, mas da maior potência nuclear do mundo, que controla territórios na Ucrânia.

Não se pode ignorar o fato de que os sauditas possuem fortes laços com a Rússia, especialmente em pautas econômicas. Nessa semana, inclusive, eles mantiveram um corte de produção de petróleo.

Os cortes pelos países árabes fazem o preço internacional do petróleo subir, o que é de interesse de Moscou. Ou seja, é possível que o próprio governo saudita seja o interlocutor pró-Rússia das conversas.

Mesmo que seja esse caso, uma boa dose de ceticismo é importante, já que a cúpula ainda está desnivelada, com a presença de Ucrânia e EUA e com a ausência russa.

É muito provável, na verdade, que as intenções dos sauditas em organizarem essas conversas sejam, principalmente, manter em evidência o país e o governo do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman como um eventual mediador futuro da paz.

Também colabora para essa proposta saudita o fato de que a Rússia suspendeu o acordo de cereais, algo essencial para o abastecimento em outros países árabes e também no continente africano.

Finalmente, as relações entre o governo saudita e o governo Biden são, para ser gentil, um pouco frias.

Fazer um aceno aos ucranianos serve, também, como um aceno aos aliados em Washington.

Qualquer avanço na direção da paz neste final de semana será muito bem-vindo, obviamente. É possível que essa cúpula seja um pequeno passo nessa direção, parte de um processo maior.

Muito provavelmente, entretanto, se tratará mais de um evento para as câmeras e para o consumo de discursos, sem avanços substanciais. Esperemos que a coluna se prove errada em breve.

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