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O presidente russo, Vladimir Putin, e o ditador chinês, Xi Jinping, em encontro dos Brics em Brasília, em 2019.
O presidente russo, Vladimir Putin, e o ditador chinês, Xi Jinping, em encontro dos Brics em Brasília, em 2019.| Foto: EFE/JOÉDSON ALVES

Viralizou uma foto mostrando uma animada conversa entre alguns líderes mundiais, quase todos em alguma escala de autocracia. Nela, o presidente turco Recep Erdogan conversa com Vladimir Putin, o ditador do Azerbaijão, Ilham Aliyev, o tadjique Emomali Rahmon, que preside seu país desde 1994, o ditador bielorrusso Aleksandr Lukashenko e também o presidente do Irã, Ebrahim Raisi. Todos esses líderes estão reunidos na Cúpula da Organização de Cooperação de Xangai, realizada em Samarcanda, no Uzbequistão. Nessa cúpula já temos uma novidade e uma possível resposta para uma grande pergunta que precisa ser feita sobre a guerra na Ucrânia.

Reprodução/ Twitter
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Recapitulando algo que já vimos aqui em nosso espaço, o chamado Pacto de Xangai é um tratado de cooperação econômica e de segurança vigente desde 2003, originalmente entre China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão e Tadjiquistão. Sua origem está na década de 1990 e o estabelecimento de relações formais entre os países da região pós-Guerra Fria e pós-dissolução da União Soviética. Especialmente a necessidade de negociar e consolidar as novas fronteiras dos países recém-criados, um processo que também afetou as relações entre Rússia e China.

Desses mecanismos entre Rússia, China e as ex-repúblicas soviéticas da Ásia central nasce o Pacto de Xangai, no mesmo contexto do Tratado de Amizade entre Rússia e China, assinado em 2001 e início da “relação especial”, como definida por Vladimir Putin em 2013. O pacto então serve para conjugar principalmente três coisas. Primeiro, a estabilidade fronteiriça mencionada. Segundo, os interesses econômicos chineses, com obras de infraestrutura da chamada Nova Rota da Seda pela Ásia Central e na Sibéria russa, a venda de hidrocarbonetos russos para a China, maiores relações comerciais e o desenvolvimento de sistemas financeiros fora da hegemonia monetária dos EUA.

Finalmente, também se relaciona com a influência política e militar russa, especialmente nas ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central, atenuando conflitos de interesses entre russos e chineses nessa esfera. Hoje, entretanto, essa influência militar pode ser questionada, tema da mais recente coluna aqui em nosso espaço. O Pacto de Xangai, progressivamente, acolheu novos integrantes. Em junho de 2017, a Índia e o Paquistão tornaram-se membros da organização. Além dos membros plenos, outros países possuem status de observadores ou de parceiros, como Belarus e Mongólia.

Entrada do Irã 

É em relação aos integrantes do bloco que temos uma novidade, já que o Irã oficializou sua entrada no Pacto de Xangai, vigorando daqui seis meses, a partir de abril de 2023. Isso é mais um passo distante de um possível novo acordo nuclear entre as potências e o Irã. Além disso, é mais uma consequência da política de sanções dos EUA, que aproxima os países sancionados. Isso explica, por exemplo, a atípica aliança entre Venezuela e Irã. Diversos países vão temer fazer negócios com o Irã, desejando fugir de eventuais consequências das sanções dos EUA. Dois países já alvos de sanções, entretanto, não terão essa preocupação.

O presidente iraniano, inclusive, falou disso. “Os americanos pensam que qualquer país em que eles imponham sanções será detido, essa percepção é errada.”. Putin já anunciou que uma comitiva econômica russa vai visitar o Irã na próxima semana. Em março de 2021, por exemplo, China e Irã anunciaram o Programa de Cooperação de 25 anos, prevendo grandes investimentos chineses no Irã, com centenas de bilhões de dólares em projetos de desenvolvimento econômico e de infraestrutura. Inclusive, é historicamente simbólico que essa cúpula seja realizada em Samarcanda, um importante pólo da histórica Rota da Seda, que a China evoca em seus projetos de infraestrutura da Nova Rota da Seda.

Cidades históricas de lado, a grande questão dessa cúpula do Pacto de Xangai é como os países vão agir em relação à Rússia e sua invasão da Ucrânia. Em alguns pontos existem convergências de interesses entre todos os participantes, como no repúdio às sanções ocidentais, que afetam o preço do petróleo. Esse repúdio une até mesmo a Índia, que tem aumentado suas compras de petróleo russo. Agora, até onde cada um desses países está disposto a ir no apoio aos russos? Especialmente, claro, a China.

Encontro Rússia e China 

Putin e Xi tiveram seu primeiro encontro bilateral presencial desde o início da guerra. Essa é, inclusive, a primeira viagem de Xi Jinping ao exterior desde o início da pandemia de covid-19. Nas notas públicas sobre o encontro, Putin mencionou as “preocupações chinesas”, dizendo que as entende. "Valorizamos muito a posição equilibrada de nossos amigos chineses quando se trata da crise na Ucrânia (...) Entendemos suas perguntas e preocupação com isso. Durante a reunião de hoje, é claro que explicaremos nossa posição, explicaremos detalhadamente nossa posição sobre esse assunto, embora já tenhamos conversado sobre isso antes.".

Do lado chinês, entretanto, publicamente, silêncio sobre a Ucrânia. Eles prometeram “injetar estabilidade” no cenário internacional, mas o que isso significa? Maior apoio à economia russa? Foi discutido, junto com a Mongólia, a construção de um novo gasoduto ligando a Sibéria à China, passando por território mongol. E o fornecimento de armamentos, inclusive em áreas onde a Rússia está atrás na competição internacional, como drones? O fato é que a China não quer ser vista como aliada da Rússia na guerra na Ucrânia por uma série de fatores, mas dois principais: evitar danos colaterais das sanções contra a Rússia e garantir uma participação na eventual reconstrução ucraniana.

A relação entre os dois gigantes é de uma aliança desconfiada, tanto por motivos históricos quanto por questões contemporâneas. Engana-se quem acredita que China e Rússia são aliados incondicionais. Mesmo dentro do Pacto de Xangai, onde ambos estão presentes, existem pequenas fraturas. Xi, por exemplo, ao visitar o Cazaquistão, deu garantias sobre a soberania cazaque, em um momento em que as relações entre o governo Tokayev e o de Putin estão estremecidas pela recusa cazaque em reconhecer as regiões separatistas pró-Rússia do Donbass. O encontro bilateral pode superar essas divisões, mas, hoje, quem está com as cartas na mão é a China.

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