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O presidente da Argentina, Alberto Fernández
O presidente da Argentina, Alberto Fernández| Foto: EFE/ Juan Ignacio Roncoroni

Hora de iniciar mais um ano aqui no nosso espaço de política internacional. Como fizemos em ocasiões anteriores, vamos começar o ano levantando alguns aspectos e temas para ficarmos de olho no ano que começa. Por vezes acertamos, algumas vezes erramos, mas, felizmente, os acertos costumam ser maioria. Começamos essas colunas de abertura com questões da nossa região da América do Sul.

Brasil

Começamos pela nossa pátria, que começa o ano com um novo governo, o terceiro mandato de Lula, e um novo velho chanceler, com a segunda passagem de Mauro Vieira como ministro de Relações Exteriores. Algo inédito é o fato de que teremos uma mulher como secretária-geral do Itamaraty, a embaixadora Maria Laura da Rocha. O cargo é o mais alto reservado para a carreira de diplomata.

O novo governo terá alguns desafios, mudanças e continuidades em relação aos últimos anos da diplomacia brasileira. A primeira mudança é derivada do fato de que Lula é figura de enorme prestígio internacional. Pode doer para alguns reconhecer isso, mas é fato, vide o tratamento que ele recebeu de líderes internacionais como presidente eleito e a quantidade de delegações em sua posse.

Ou seja, deve ser retomada a Diplomacia Presidencial, com maior presença do chefe de Estado em visitas e cúpulas, contrastando com o isolamento de seu antecessor. Lula já tem visitas agendadas para a Argentina e aos EUA. As relações com a Europa devem melhorar e intensificar outras negociações, contrastando com o governo Bolsonaro, marcado pelo critério ideológico, como a aproximação com o húngaro Orbán, e pelo descaso, com Bolsonaro sem visitar de maneira bilateral nenhuma das maiores economias europeias.

Outra mudança é que o Brasil deve retomar um papel de liderança em aspectos ambientais perante a comunidade internacional. O governo nomeou, essa semana, o embaixador André Correa do Lago para se dedicar exclusivamente à agenda climática. Deve-se lembrar que não se deve esperar idealismo ou uma postura totalmente verde do governo.

Os governos Lula foram ferrenhos defensores do Princípio da Responsabilidade Comum, mas Diferenciada, que coloca pesos diferentes nas responsabilidades ambientais dos países ricos. O foco agora provavelmente será econômico, com aproveitamento inteligente do patrimônio natural brasileiro.

Também devemos ver guinadas nas relações com a África, precisando compensar os anos recentes de afastamento, em que o Brasil perdeu espaço mesmo em setores em que tradicionalmente tinha presença, como a agricultura nos países lusófonos, e com a Venezuela, com o Brasil potencialmente ocupando papel de mediação, como comentamos em coluna recente.

Finalmente, o maior desafio externo para o governo brasileiro em 2023 também já foi mencionado aqui. Teremos o vencimento do acordo de Itaipu, precisando ser renegociado, em uma negociação delicada e vital para as economias tanto do Paraguai quanto do Brasil. Principalmente, o Paraguai deseja, há década, a liberdade para vender sua energia como bem entender. Hoje, ele precisa vender seu excedente para o Brasil e falaremos mais disso no decorrer desta coluna.

Argentina

Nossos vizinhos e importantes parceiros comerciais passarão por eleições gerais em 29 de outubro. O atual presidente Alberto Fernández concorre à reeleição e também serão eleitos um terço do Senado federal, metade da Câmara dos Deputados e também governos regionais. Hoje, a situação para Fernández não é nem um pouco favorável.

Inflação, crise econômica e consequências da pandemia de Covid-19 fazem com que pesquisas de opinião recentes na Argentina coloquem a aprovação do presidente na casa dos 24%, um número baixíssimo, e 57% “rejeitam fortemente” seu governo. Para piorar sua situação, Fernández precisa lidar com as denúncias de corrupção contra Cristina Kirchner e o debate sobre qual seria o verdadeiro peso da vice-presidente no governo.

Claro que até o pleito muita coisa pode mudar, mas, hoje, as pesquisas eleitorais colocam a coalizão de direita Juntos por el Cambio em primeiro na intenção de voto. Fundada pelo ex-presidente Mauricio Macri, a coalizão ainda não tem candidatura definida, e o principal rival de Macri é o atual chefe de governo da capital federal, Horacio Rodríguez Larreta, o líder formal da coalizão.

Em terceiro nas pesquisas aparece a coalizão La Libertad Avanza, liderada por Javier Milei, de extrema-direita. Será interessante notar como os próximos meses brasileiros impactarão o pleito argentino. Um eventual sucesso de Lula pode fortalecer Fernández, enquanto o contrário é verdadeiro. Além disso, Milei é frequentemente associado a Bolsonaro, o que também pode impactar sua imagem perante o eleitorado, de maneira negativa ou positiva.

Paraguai

No dia 30 de abril é a vez de nossos vizinhos paraguaios irem às urnas para eleger presidente e todos os integrantes de ambas as casas legislativas. Hoje o país conta com um governo de direita, do colorado Mario Abdo Benitez, filho de um dos principais aliados do ex-ditador Alfredo Stroessner. O Paraguai não permite a reeleição e o candidato do partido Colorado será Santiago Peña, ex-ministro de finanças.

Pela Concertación, a frente ampla anti-Colorado, o candidato será Efraín Alegre, de centro. A coalizão reúne partidos de centro-direita, de centro e de esquerda. Desde 1948, o Paraguai não foi governado pelos conservadores colorados apenas em um breve período, entre 2008 e 2013, com a presidência de Fernando Lugo, de esquerda, e seu sucessor, Federico Franco, que assumiu por ser vice-presidente após um polêmico impeachment.

A questão de Itaipu será o mais importante tema da campanha presidencial. A usina representa 90% da energia elétrica consumida no país e 20% das exportações nacionais, considerando a energia excedente que o país vende ao Brasil. Consequentemente, essas eleições podem ter impacto no bolso do leitor, já que a negociação pode encarecer o custo da energia elétrica que o Paraguai vende ao Brasil.

Peru

Nosso vizinho andino continua em crise, com dezenas de mortos em protestos e choques com a polícia nas últimas semanas. Falamos da crise peruana na penúltima coluna de 2022. Em um dos últimos atos do ano, o governo aprovou a antecipação das eleições para abril de 2024. Nada, entretanto, aponta que nosso vizinho conseguirá superar a violência interna e a crise política causada pelo seu sistema de governança.

A situação fechou aeroportos e estradas, afetando a economia nacional, já prejudicada pela pandemia de covid-19. Em números oficiais por milhão de habitantes, o Peru é o país com mais mortes do mundo durante a pandemia, com mais de seis mil mortos por milhão. Com a oposição controlada pelo fujimorismo e um governo com baixíssima aprovação após o fracassado auto-golpe de Castillo, resta esperar por um fato novo no Peru.

Equador

Finalmente, um país que não é tecnicamente nosso vizinho, mas, ainda assim, de nossa vizinhança. O presidente Guillermo Lasso, de direita, esteve presente na posse de Lula e terá um grande desafio no próximo dia cinco. Os eleitores equatorianos vão às urnas para votar em um referendo constitucional, com oito perguntas que mudam a constituição nacional.

Veremos as perguntas em detalhes em uma coluna futura, na véspera do pleito. O principal aspecto é o que explica o referendo. Lasso vive o inverso da situação que Castillo vivia no Peru. Castillo era um presidente de esquerda com um congresso dominado pela direita. Lasso é um presidente de direita com um congresso dominado pela esquerda. Simplesmente não consegue aprovar nada, muito menos alterações constitucionais.

O referendo, então, é uma maneira de buscar no eleitorado a aprovação que ele não teria no Legislativo. A jogada pode render muitos frutos políticos, mas também é arriscada, já que uma derrota mostraria que o presidente está isolado. Além disso, o Equador também precisa lidar com a intensa onda de violência ligada ao narcotráfico dos últimos meses, causada pelo aumento do fluxo de drogas pelo porto de Guayaquil. 

A cocaína produzida na Colômbia agora é em parte escoada pelo Equador, rumo ao principal mercado mundial do narcótico, os EUA. Nos últimos dois anos, mais de quatrocentas pessoas morreram apenas em confrontos prisionais no Equador, sem mencionar confrontos entre quadrilhas e com as forças de segurança. O aumento da insegurança também cobra preços da pequena economia equatoriana.

Na próxima coluna, veremos mais cinco tópicos para ficarmos de olho em 2023 e a coluna deseja um ótimo ano para todos os leitores. 

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