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Alberto Núñez Feijóo, líder do PP, grande vencedor das eleições municipais, provinciais e regionais da Espanha
Alberto Núñez Feijóo, líder do PP, grande vencedor das eleições municipais, provinciais e regionais da Espanha| Foto: EFE/Javier Lizón

Após uma derrota marcante nas eleições locais e regionais, o governo espanhol convocou eleições antecipadas. O primeiro-ministro Pedro Sánchez, líder do Partido Socialista Operário Espanhol, antecipou as eleições gerais que estavam previstas para o fim do ano para o dia 23 de julho, daqui a pouco mais de um mês, após ver o crescimento do Partido Popular nas eleições. O verdadeiro cálculo e motivo da antecipação, entretanto, é outro partido, o neofranquista Vox.

Primeiro, é necessário entender as subdivisões administrativas da Espanha. O país é unitário, com um sistema de poder devoluto nas comunidades autônomas. Não é como uma federação, como o caso do Brasil, em que existem competências claras dos entes da federação, separados em basicamente dois tipos, os estados e os municípios, mais o Distrito Federal com suas particularidades.

A Espanha possui 17 comunidades autônomas, algo levemente similar ao estado no Brasil, mais as duas cidades autônomas no norte da África, Ceuta e Melilla. Existe outra subdivisão menor, a província, que numeram em 50. Finalmente, existem as 8.131 municipalidades. Quando se fala em eleições locais, tratam-se das eleições municipais e provinciais. As eleições regionais tratam das comunidades autônomas.

Os três tipos de divisão administrativa escolhem seus governos em um modelo similar ao nacional, com a escolha de uma assembleia legislativa pelos eleitores e posterior formação de governo internamente aos representantes eleitos. Por exemplo, na capital Madri, a assembleia local, o Ayuntamiento de Madrid, é formado por 57 representantes. Caso um partido eleja 29 desses, nomeia o prefeito. Caso nenhum partido tenha maioria, é formada uma coalizão.

Eleições e derrota da esquerda

Nesse pleito, estavam em jogo todos os assentos de todas as mais de 8 mil assembleias municipais, 1.038 assentos em 38 das 50 assembleias provinciais, 737 assentos nos parlamentos de 12 das 17 comunidades autônomas e 50 assentos nas duas cidades autônomas. Feita essa explicação, ela é importante, pois a proporção nacional de votos pode ajudar a ilustrar a derrota do PSOE, mas ela é mais profunda ainda.

O partido de centro-esquerda perdeu diversas prefeituras e governos provinciais onde tradicionalmente vence. O PSOE, no total, teve 28% dos votos. O número não é tão catastrófico à primeira vista, já que é apenas 1% a menos do que nas eleições regionais de 2019 e a mesma proporção do que nas eleições nacionais de novembro de 2019, quando o atual governo Pedro Sánchez foi formado. Novamente, entretanto, esse número mente.

O Partido Popular, PP, conservador de centro-direita, teve 31% dos votos. Na última eleição regional, havia conquistado apenas 23%. Na última eleição nacional, menos ainda, com meros 20,8%. Além do grande crescimento proporcional, o PP conseguiu vitórias-chave, virando o governo de, no mínimo, três comunidades autônomas. Também está na liderança em outras comunidades, como em Aragão e Valência. Manteve a prefeitura de Madri e conquistou a de Múrcia, uma das maiores cidades do país, dentre outras.

Os conservadores serão o partido com maior número de representantes nos três níveis citados. Já o Vox, neofranquista de extrema-direita, consolidou sua posição como terceira força do país, dobrando sua proporção de votos em relação ao último pleito regional, agora com 7% do eleitorado. Ainda assim, metade dos 15% obtidos na última eleição nacional pela legenda. Isso se dá pelo fato de que muitas das pautas do partido são nacionais, como imigração ou a própria identidade espanhola.

Alienação do eleitorado

É essencial olharmos para o Vox para entender a decisão de Pedro Sánchez em antecipar as eleições. Em uma coluna de maio de 2019, contextualizamos o motivo do partido ser classificado como uma legenda de extrema-direita, e sugere-se a leitura, ou releitura, daquele texto. Um dos motivos do crescimento do Vox é o fato do PSOE ter se fiado nos partidos separatistas, republicanos e de esquerda radical para governar.

Isso alienou boa parte do eleitor moderado, que flutua entre as duas forças tradicionais, PSOE e PP, e também parte do eleitor de esquerda, que pode até apoiar maiores poderes regionais para bascos e catalães, mas não deseja uma fragmentação do atual Estado espanhol. Além do PSOE ter se aproximado de legendas como o basco Eh Bildu e o catalão Esquerda Republicana de Catalunha, a esquerda e a esquerda radical espanhola se fragmentaram.

Onde antes havia o Unidas Podemos como uma frente unida dos partidos menores de esquerda, agora existem o Podemos e o Movimiento Sumar, mais os vários partidos regionais de esquerda. Enquanto isso, a direita existe em duas forças, o gigante PP e o crescente Vox. Anteriormente havia o Ciudadanos, que caiu no esquecimento após sua mensagem de “renovação anticorrupção" fracassar.

Mira no Vox

Então, qual o motivo de falarmos que é o Vox, e não a vitória do PP, que explicam a decisão de Pedro Sánchez? Nas próximas semanas, o Vox será essencial para a eventual formação de governos viáveis em diversas comunidades, províncias e municípios. Devido ao fato de o Vox ser intrinsecamente ligado ao franquismo e seu legado, Sánchez espera que essas negociações desgastem o PP no curto prazo.

Na data original do pleito, o PP teria tempo de recuperar sua imagem, e questões como a inflação recorde atual, relacionada ao conflito na Ucrânia, terminariam de liquidar as chances do PSOE. Além disso, Sánchez deseja usar a ameaça do crescimento nacional do Vox como uma bandeira unificadora dos diversos partidos de esquerda, pensando que eles podem se juntar contra uma “ameaça comum”.

Isso, entretanto, possivelmente é ingenuidade do premiê. Os partidos de esquerda espanhóis, hoje, não chegariam a um consenso sobre temas básicos, quanto mais a formação de uma espécie de “frente ampla”. No fim das contas, a realidade é que o Vox se tornará o “kingmaker” de um eventual governo espanhol, o partido que pode, ou não, viabilizar uma coalizão parlamentar.

Aí os olhares se direcionam ao PP. Se o partido aceitar formar coalizões com o Vox nas comunidades autônomas, poderá sofrer algum desgaste e rejeição, mas abre caminho para uma aliança nacional entre as duas forças de direita. Pelas pesquisas eleitorais, hoje, essa coalizão teria maioria do parlamento espanhol e Alberto Núñez Feijóo, líder do PP, se tornaria o novo premiê. O nome é grafado com dois “o”s mesmo, e o som quase lusitano se dá pelo fato dele ser galego, uma região histórica e geograficamente próxima de Portugal.

Outra possibilidade é o PP não aceitar negociar com o Vox, rejeitando o caráter chauvinista e neofranquista da legenda. Isso acontece em outros países europeus. Por exemplo, na Alemanha, existe o consenso de não se fazer alianças com o Alternativa para a Alemanha, também de extrema-direita. Nesse caso, o parlamento espanhol ficaria fragmentado, sem governo viável, e o país repetiria sua sina recente. A de realizar uma série de eleições em busca de destravar um parlamento com quase dez legendas.

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