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O presidente libanês, Michel Aoun, recebe o último esboço de uma proposta, mediada pelos EUA para demarcar a fronteira marítima do Líbano com Israel, do vice-presidente do parlamento libanês e negociador, Elias Bou Saab, no palácio presidencial em Baabda, leste de Beirute, Líbano, 11 Outubro 2022.
O presidente libanês, Michel Aoun, recebe o último esboço de uma proposta, mediada pelos EUA para demarcar a fronteira marítima do Líbano com Israel, do vice-presidente do parlamento libanês e negociador, Elias Bou Saab, no palácio presidencial em Baabda, leste de Beirute, Líbano, 11 Outubro 2022.| Foto: EFE

Israel e Líbano chegaram a um acordo na última terça-feira, dia onze, em relação à fronteira marítima entre os dois países. Isso provavelmente vai destravar a exploração de gás natural em dois campos no Mediterrâneo, perto da costa dos dois países. O acordo também vai gerar repercussão internacional em meio ao conflito na Ucrânia e, principalmente, terá impacto eleitoral. Em mais de um país, inclusive.

Primeiro, dizer que Israel e Líbano chegaram a um acordo é um pouco exagerado. Os dois países não possuem relações formais e vivem uma situação de conflito congelado, com escaramuças eventuais. Não possuem um acordo formal sobre suas fronteiras, sejam terrestres ou marítimas, e a História recente em comum é marcada por conflitos e pelo impacto das centenas de milhares de refugiados palestinos no Líbano.

O que existirá é um conjunto de dois acordos, com os EUA como ator mútuo. Um acordo entre Israel e os EUA e outro acordo entre Líbano e os EUA. Na prática, o governo de Washington, além de mediador, será o garantidor do acordo. Não existirá uma cerimônia conjunta de assinatura, por exemplo, e os diversos aspectos de segurança trazem dúvidas e certo ceticismo ao acordo.

Governo dos EUA 

De qualquer maneira, esse é o primeiro vencedor dessa negociação, o governo dos EUA. Não apenas o Estado nacional, mas o atual governo Joe Biden, que certamente vai capitalizar em relação ao acordo nas eleições internas do mês que vem. Especialmente com o foco de enfraquecer a retórica republicana de que os conservadores seriam os “verdadeiros amigos” de Israel.

Pelo texto do acordo, é delimitada a zona econômica exclusiva marítima de cada país. o campo de gás mais ao sul, nomeado de Karish, ficará sob controle israelense, enquanto o campo nordeste, chamado de Qana, será do Líbano. Como fenômenos naturais, como campos de gás, não respeitam fronteiras, os israelenses receberão uma parte dos royalties de exploração de Qana, já que ele está justaposto pela divisão.

Segundo as autoridades dos dois países, o acordo fortalecerá a segurança mútua, pode ser parte de uma estabilização mais ampla e representará bilhões de dólares para as economias. Nesse sentido, o governo Biden também vai vender o acordo como uma vitória para a segurança energética da Europa, já que a empresa francesa responsável pela exploração dos campos afirma que a exportação pode começar em questão de semanas.

Falando em empresas do ramo de exploração de gás natural, o acordo é um exemplo bem claro da diplomacia do lobby, algo relativamente comum nos EUA. O negociador que costurou o acordo é um lobista chamado Amos Hochstein, nomeado pelo governo dos EUA em outubro de 2021. Além de conselheiro do governo Biden, ele tem extensa carreira como executivo de empresas privadas do ramo de gás natural e petróleo.

Energia e Líbano 

Sobre a segurança energética europeia, a Rússia sairá por baixo, perdendo parte de sua barganha energética em relação ao conflito na Ucrânia. Já mencionamos aqui em nosso espaço como as recentes descobertas de campos de gás natural no Mediterrâneo oriental seriam alvo de uma corrida pelos países europeus. E também potencial motivo de crise entre países como Grécia e Turquia.

Se o governo dos EUA sai por cima e a Rússia sai afetada negativamente pelo acordo, e a repercussão interna no Líbano e em Israel? O principal negociador libanês, Elias Bou Saab,  disse em entrevista que o texto "leva em consideração todos os pedidos do Líbano”. Além das divisas da exportação de gás, o acordo pode representar fornecimento energético para o próprio Líbano, que está em profunda crise econômica.

Já parte da oposição libanesa condenou o acordo supostamente por fazer muitas concessões e o Hezbollah, que tem Israel como principal inimigo, afirmou apenas que seguirá a posição oficial do Estado libanês. Já Yair Lapid, premiê de Israel, classificou o acordo como histórico. Israel provavelmente vai colher os frutos econômicos do acordo primeiro, já que o país já explora gás natural no Mediterrâneo.

Eleições em Israel 

No último mês de junho, Israel e o Egito assinaram um acordo de cooperação na exploração de gás. A questão é que, daqui a quinze dias, Israel enfrentará sua quinta eleição geral em três anos. O principal oponente de Lapid é o veterano Netanyahu, enquanto Benny Gantz provavelmente será o ator decisivo para viabilizar a formação de algum governo.

Netanyahu afirmou que o acordo é uma “rendição histórica” e diversos atores políticos israelenses questionam se Lapid teria a legitimidade para assinar um acordo dessa amplitude em meio ao período eleitoral. O premiê enfrentará uma verdadeira corrida contra o relógio para aprovar o texto no Knesset antes do pleito, se conseguir. O impacto do acordo nas pesquisas eleitorais será mensurado nos próximos dias.

Novamente, é importante manter uma dose saudável de ceticismo sobre o acordo, dado o histórico entre Líbano e Israel, especialmente envolvendo alguns atores libaneses. Também não é possível medir ainda qual será o impacto doméstico e eleitoral do acordo em Israel. Por enquanto, o grande vencedor é o governo dos EUA, no papel de mediador, especialmente em seu discurso de parceiro energético europeu e nas vindouras eleições.

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