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O ditador cubano Fidel Castro em visita à União Soviética, em 1981.
O ditador cubano Fidel Castro em visita à União Soviética, em 1981.| Foto: Miguel Viñas/Prensa Latina/EFE

“As drogas e as operações de desinformação são nossos dois primeiros escalões estratégicos na guerra.” (Nikita Kruschev, 1963)

Na última sexta-feira, 1.º de julho, a revista Veja divulgou trechos da delação premiada de Marcos Valério, empresário condenado a 37 anos de prisão por ser o operador financeiro do esquema do mensalão. À Polícia Federal, Valério falou de uma suposta proximidade entre o PT e o PCC, facção criminosa que controla boa parte do narcotráfico e do tráfico de armas no país. Juntando essa notícia com outras informações – como a da sociedade do contador de Lula com a mesma facção criminosa, do vereador petista também suspeito de envolvimento com o PCC, do áudio vazado em que um bandido do PCC fala em “diálogo cabuloso” com o PT, da confissão de Lula de que atuou para soltar os “meninos” que sequestraram Abílio Diniz (cujo contato com outros presos seria o embrião do surgimento do PCC) etc. –, vemos surgir um quadro perturbador, no qual a política e o crime organizado parecem inextricavelmente misturados.

Embora o quebra-cabeça ainda não esteja completo, o conjunto de peças até agora reunido já basta para exigir uma investigação séria e aprofundada, sugerindo a possibilidade de termos um narcopartido disputando as próximas eleições no Brasil, o que faria delas um caso de segurança nacional. Compreende-se, pois, que, diante dessa ameaça, alguns parlamentares já tenham se movimentado para convocar Marcos Valério a se explicar no Congresso, articulando-se também para instaurar uma CPI que investigue as possíveis relações entre o PT e o PCC.

Mas o jornalismo não deveria precisar do resultado dessa investigação para consolidar alguns fatos e situar o possível elo PT-PCC dentro de um contexto histórico mais amplo, que pode ajudar a esclarecer episódios aparentemente desconexos. Em primeiro lugar, as relações entre o narcotráfico e as esquerdas latino-americanas são – ou deveriam ser – amplamente conhecidas. Como já lembrei em artigo de 2019, no âmbito do Foro de São Paulo, o PT e vários outros partidos de esquerda foram durante muito tempo parceiros políticos das Farc, então as maiores fornecedoras de drogas do continente, hoje convertidas em partido político por sugestão de Lula. Escrevi então:

“Pelas mãos de Hugo Chávez e seus aliados mais próximos (a exemplo de Nicolás Maduro e Diosdado Cabello), a parceria [com as Farc] converteu-se numa lucrativa sociedade narcobolivariana, dando origem ao que ficou conhecido como Cartel dos Sóis, a organização criminosa formada pela cúpula do chavismo, e cujo nome faz referência às insígnias que os oficiais venezuelanos de alta patente levam nos ombros. Mantendo relações estreitas com grupos terroristas islâmicos do Norte da África (AQIM, Estado Islâmico etc.), o cartel funciona como cabeça-de-ponte de uma gigantesca internacional do crime”.

As relações entre o narcotráfico e as esquerdas latino-americanas são – ou deveriam ser – amplamente conhecidas

Em seu livro Hugo Chávez: O Espectro, o jornalista Leonardo Coutinho, colunista desta Gazeta, explica em detalhes o processo de narcoestatização da Venezuela:

“A localização privilegiada da Venezuela passou a ser amplamente explorada com a ascensão de Hugo Chávez ao poder. O presidente venezuelano abriu as portas de seu país aos guerrilheiros das Farc. O narcotráfico ganhou acesso livre ao território, suporte logístico e proteção para suas operações de armazenagem. Contou ainda com a segurança às suas redes de distribuição. As Farc já concentravam sua produção na região de fronteira com a Venezuela, sobretudo na localidade de Casanare, a cerca de 300 quilômetros do país vizinho, mas precisavam de um entreposto seguro para estocagem e envio. Quando Chávez derrubou a fronteira entre seu país e a narcoguerrilha, criou as condições ideais para a expansão da rede de tráfico da organização colombiana… Sob o chavismo, a Venezuela passou a ser responsável pelo escoamento de cerca de 90% da droga produzida na Colômbia. Segundo Salazar [ex-chefe da guarda pessoal de Hugo Chávez], foi sob a proteção de políticos, militares e do próprio regime chavista que a Venezuela se converteu em um narcoestado. Estima-se que, naquele momento, o cartel exportava 5 toneladas de cocaína por semana, em média”.

Mas, antes mesmo de Chávez, no início da década de 1980, Fidel Castro já havia desenhado a aproximação estratégica dos movimentos revolucionários marxistas sob sua influência – como os colombianos Farc e M-19 (do qual fez parte o recém-eleito presidente da Colômbia) – com o narcotráfico e o crime organizado, a exemplo do Cartel de Medellín. Nessa parceria, o regime cubano auxiliava logisticamente os contrabandistas a injetar drogas nos EUA e, como parte da mesma operação, fornecia armas para os grupos guerrilheiros de esquerda. O esquema começou a ser revelado em 1982, quando quatro oficiais cubanos de alta patente, incluindo dois influentes membros do Comitê Central do Partido Comunista Cubano, foram presos e condenados por uma corte de Justiça de Miami, sob a acusação de conspirar para infiltrar drogas ilegais nos EUA.

Na época, Cuba era o grande celeiro e centro de treinamento de terroristas revolucionários de esquerda de todo o continente, e começava também a se tornar um importante polo do narcotráfico. A ditadura castrista provia um porto seguro para os traficantes latino-americanos em rota para a América, proteção exercida em troca de pagamento. De retorno aos seus países de origem para buscar mais drogas, os traficantes deviam transportar munição e suprimentos de Cuba para os movimentos guerrilheiros marxistas. Os guerrilheiros forneciam proteção armada para os narcotraficantes, que por sua vez financiavam a guerrilha e a auxiliavam com informações e logística de transporte.

O regime cubano aproximou-se do Cartel de Medellín por intermédio do embaixador cubano na Colômbia, Fernando Ravelo, que por sua vez seguia as ordens de Manuel Pineiro Losada, chefe do departamento americano do Comitê Central do Partido Comunista Cubano – responsável por operações de subversão, sabotagem e desinformação – e ex-diretor da Direção Geral de Inteligência (DGI), o serviço secreto cubano. A inundação dos EUA com drogas fazia parte das operações coordenadas pelo departamento de Losada. Tudo, é claro, ocorria sob orientação estratégica do próprio Fidel Castro, que sabia perfeitamente o que estava fazendo. Segundo Leonardo Coutinho:

“A naturalidade com a qual Fidel construiu um argumento moral para justificar o empenho do aparato de Estado no tráfico tem uma explicação. Há pelo menos 30 anos o velho comandante usava a mesma justificativa para seu envolvimento pessoal e o de seu regime com o tráfico internacional. Em 1980, sob ordens expressas dos irmãos Castro, o embaixador de Cuba em Bogotá, Fernando Ravelo, iniciou um processo de aproximação com o Cartel de Medellín, liderado por Pablo Escobar. Fidel constatara que a localização estratégica de Cuba favoreceria os cartéis sul-americanos, que padeciam de problemas logísticos para colocar a produção dentro de seu principal mercado consumidor, os Estados Unidos (...) Fidel argumentava que o narcotráfico era, antes de tudo, uma arma de luta revolucionária. Troçava, segundo Sánchez [ex-guarda costas do ditador cubano], dizendo que se os americanos eram ‘estúpidos o suficiente para consumir a droga vinda da Colômbia, além de aquilo não ser problema seu – enquanto não fosse descoberto –, podia servir a seus objetivos revolucionários na medida em que corrompia e desestabilizava a sociedade americana’. A tese do líder cubano se alicerçava sobre outro pilar. O dinheiro originário do tráfico era uma forma de patrocinar partidos de esquerda e grupos guerrilheiros em toda a América Latina. E o melhor: esse dinheiro que financiaria a expansão da revolução no continente teria origem, de certo modo, nos Estados Unidos. Assim, por meio desse argumento, Fidel Castro celebrou a união do tráfico de drogas com os movimentos insurgentes do continente, criando o que se convencionou chamar de narcoguerrilha.”

Antes de Hugo Chávez, Fidel Castro já havia desenhado a aproximação estratégica dos movimentos revolucionários marxistas sob sua influência com o narcotráfico e o crime organizado

Fidel não concebera sozinho o uso do narcotráfico como arma revolucionária. Na verdade, como mostra o expert em segurança nacional Joseph Douglass no importantíssimo Red Cocaine: the drugging of America and the West, a estratégia já havia sido elaborada na URSS desde os anos 1960. No verão daquele ano, por exemplo, pouco tempo após a tomada do poder em Cuba pelos comunistas, Raul Castro visitou a Tchecoslováquia (que seguia as ordens da URSS) em busca de auxílio militar. Os dois países celebraram um acordo segundo o qual os tchecos forneceriam armas e equipamentos aos cubanos, os treinariam em planejamento de operações militares e os ajudariam a organizar seu serviço de inteligência e contrainteligência. Em troca, Cuba devia concordar em se tornar um centro revolucionário nas Américas, permitindo que a Tchecoslováquia estabelecesse uma central de inteligência no país caribenho.

Depois que os primeiros cubanos foram treinados como agentes de inteligência, receberam via Tchecoslováquia as primeiras diretrizes vindas de Moscou: infiltrar-se nos EUA e nos demais países da América Latina a fim de produzir e distribuir drogas. As drogas inicialmente escolhidas eram o ópio, a heroína, a morfina, a maconha e as sintéticas como o LSD. Mas logo os soviéticos pressentiram o potencial lucrativo e disruptivo da cocaína, que chamaram de “a onda do futuro”. Foi então que, num encontro em Moscou, no ano de 1964, o general soviético Boris Shevchenko, chefe do departamento especial de propaganda, cunhou o termo “Epidemia Rosa” para se referir secretamente à operação de inteligência que consistia em inundar os EUA e o Ocidente com cocaína. O “rosa” fazia referência à singular mistura de cores entre o branco da cocaína e o vermelho do comunismo. Seguiremos daí na semana que vem.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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