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A jornalista Vera Magalhães durante o 6.º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação.
A jornalista Vera Magalhães durante o 6.º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação.| Foto: Facebook/página oficial

“Um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser devorado por último”, disse certa vez Winston Churchill. Afirmação com sentido similar à do psicólogo canadense Jordan Peterson: “Nunca peça desculpas a uma turba sedenta por sangue. Você não está lidando com pessoas com as quais pode restabelecer um relacionamento. Você está lidando com uma ideia sem alma que possui pessoas”.

É sempre triste constatar a dificuldade de parte da direita brasileira em assimilar essas lições. A polêmica do momento é o bate-boca entre a jornalista Vera Magalhães e o deputado estadual Douglas Garcia, ocorrido na TV Cultura por ocasião do debate entre os candidatos ao governo de São Paulo. Questionada pelo parlamentar sobre o contrato firmado entre ela e a TV Cultura (financiada pelo governo de São Paulo) para apresentar o Roda Viva, Magalhães – que tem usado o programa como palanque exclusivo para críticos e opositores do presidente Jair Bolsonaro – chamou o segurança, que se interpôs entre os dois contendores, que a essa altura trocavam farpas verbais. Garcia qualificou Magalhães de “vergonha para o jornalismo”, ecoando crítica anterior de Bolsonaro à mesma jornalista. Magalhães, por sua vez, disse ser “uma palhaçada” a atitude do deputado. Saindo em defesa da colega, o jornalista Leão Serva arrancou o telefone celular da mão de Garcia e, aos gritos de “vá para a puta que te pariu, filho da puta”, arremessou-o no ar.

Ao fim do quiproquó, Vera Magalhães correu às redes sociais para se dizer agredida. Olhando os vídeos da cena, todavia, nota-se que o deputado não a agrediu em momento algum. Se alguma agressão houve, deu-se apenas no momento em que o jornalista Leão Serva tenta destruir o aparelho celular de Garcia. Mas, para um jornalismo cada vez mais dedicado a “pensar contra os fatos para promover um novo senso comum”, a realidade não importava. Às vésperas da eleição, o ocorrido era um excelente pretexto para avançar a narrativa segundo a qual Bolsonaro, bem como seus aliados e apoiadores, são uns hidrófobos perigosos, agressores de mulheres e jornalistas.

Toda vez que age, a esquerda imagina reagir. E, mesmo quando exerce o poder das maneiras mais totalitárias e brutais, vê-se invariavelmente como vítima de um poder anterior que justifica suas ações

Assim é que a imprensa militante antibolsonarista fez o que dela se esperava, estampando nas manchetes a sentença condenatória: deputado bolsonarista agride jornalista Vera Magalhães. De modo coordenado, a esquerda político-partidária também cumpriu o seu papel na história, passando a falar em cassação do mandato do deputado por quebra de decoro. Até aí, tudo dentro do previsto. O que não estava dentro do script é o fato de o candidato bolsonarista ao governo de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas, aderir à narrativa farsesca da “agressão” – a mesma narrativa com que Vera Magalhães e consortes tentam criminalizar Bolsonaro e os seus eleitores – e entrar de cabeça na campanha de assassinato de reputação do deputado em questão (que, de fato, não tem grande relevância, e está servindo apenas de pretexto para que a esquerda avance em sua agenda vitimista e estigmatizadora).

Desde 2018, essa mesma imprensa e essa mesma esquerda não fazem outra coisa além de estigmatizar bolsonaristas e conservadores de modo geral como agressores, criminosos, fascistas, nazistas, golpistas, negacionistas, genocidas e integrantes da Ku Klux Klan. Não custa lembrar que, por exemplo, assim foram tratados pela imprensa todos os patriotas que saíram às ruas para celebrar o bicentenário da Independência do Brasil. Caricaturando até o ponto da monstruosidade aqueles que vê como opositores, a esquerda pode sempre justificar a sua própria violência política, descrita invariavelmente como um ato de heroísmo. Trata-se, portanto, de um vitimismo sempre estratégico, mesmo ali onde a histeria – entendida aqui como a prática de sentir o que se diz e não, como na expressão sadia dos sentimentos, dizer o que se sente – parece ser autêntica.

O Partido dos Trabalhadores sempre recorreu a esse expediente. Enquanto faziam-se de vítima das mais terríveis (e imaginárias) agressões, os petistas não hesitavam em pregar abertamente a extirpação dos adversários. Inspirando-se no seu guru Che Guevara, José Dirceu não estava brincando quando, em 25 de maio de 2000, cinco dias após militantes petistas fantasiados de professores agredirem o então terminalmente adoentado governador tucano Mário Covas, comemorou a agressão dizendo que os adversários do PT tinham de apanhar “nas urnas e nas ruas”. Como tampouco brincava o ex-condenado Luiz Inácio Lula da Silva ao elogiar o vereador petista por tentar assassinar um adversário empurrando-o contra um ônibus em movimento. Tudo isso é apenas o corolário necessário de uma mesma mentalidade, que celebra como heróis da causa os agressores e os criminosos politicamente alinhados.

No meu livro A Corrupção da Inteligência, argumentei que a psicologia da esquerda revolucionária é sempre a da fera acuada, daí que sua ação política seja necessariamente impiedosa. A luta dessa esquerda – seja ela física, política ou no terreno das ideias – é sempre uma “luta à muerte”, como dizia Guevara. Toda vez que age, a esquerda imagina reagir. E, mesmo quando exerce o poder das maneiras mais totalitárias e brutais, vê-se invariavelmente como vítima de um poder anterior que justifica suas ações. Permita-me o leitor uma autocitação:

“O sentimento de culpa – a famigerada culpa ‘judaico-cristã’, como há 300 anos maldizem os revolucionários com esgares de nojo – não integra a estrutura de consciência da esquerda, e é isso que faz com que os males políticos por ela cometidos sejam mais profundos e destruidores que os demais. Não por acaso que os comunistas tenham sido, por um lado, os principais formuladores de um discurso de indignação moral contra os males do mundo e, por outro, os maiores perpetradores desses males, brindando a humanidade com um festival de horrores de dar inveja ao próprio Satanás. Há duas coisas que o comunismo fez em escala industrial: denunciar e matar. Ditadores da esquerda revolucionária serão sempre mais totalitários e sanguinários que os outros. Stalin e Mao Tsé-tung provaram-no inexoravelmente. Um revolucionário corrupto será sempre mais corrupto que um não revolucionário. Este último pode vir a sentir vergonha, ou mesmo saciar-se com o produto de seu crime. O esquerdista revolucionário, jamais. Pego em flagrante delito, erguerá no ar o punho cerrado e, prenhe de um orgulho patológico, experimentará, no fundo de seu ser, a emoção de lutar por justiça no instante em que corrompe. A moral deles é diferente da nossa, decretou o relativismo imoral de Trotski. No Brasil, os lulopetistas cansaram de dar provas dessa ética peculiar inerente à imaginação revolucionária. Qual Raskolnikov, eles se convenceram (e convenceram a elite intelectual do país) de que, por serem excepcionalmente virtuosos, haviam forçosamente de gozar de um ‘direito ao crime’.”

A esquerda raskolnikoviana protagonizada finge se escandalizar (ou se escandaliza autenticamente, mas de maneira histerioforme) com o “ódio” e a “violência” supostamente inaugurados no país por Bolsonaro e seus apoiadores. Mas fazem-no como projeção psicótica do próprio ódio recalcado (e eventualmente extravasado sob forma “artística”). Mediante a psicologia da fera acuada, racionalizam e justificam a sua própria inclinação política violenta e intolerante. Sua postura é a da tolerância repressiva de que falava o marxista frankfurtiano Herbert Marcuse: intolerância total aos movimentos (incluindo ações e palavras) da direita; tolerância total aos movimentos (incluindo agressões físicas e assassinatos) da esquerda.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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