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Em sua coluna de ontem no jornal O Globo, Malu Gaspar escreveu o seguinte:
“O avanço do diálogo entre as diplomacias do Brasil e dos Estados Unidos, que terá nova etapa em uma reunião entre o chanceler Mauro Vieira e o secretário de Estado americano, Marco Rubio, até o final da semana, tem provocado uma rara coincidência de expectativas tanto no entorno de Lula quanto na oposição no Congresso. Fontes dos dois lados avaliam que as sanções comerciais e até as revogações de vistos de autoridades brasileiras devem ser derrubadas pela Casa Branca”.
Recorro à reportagem de Malu Gaspar porque, em primeiro lugar, no meio de uma decadência generalizada no seio do assim autoproclamado “jornalismo profissional” (sobretudo no jornalismo servil prestado pelas Organizações Globo), ela ainda consegue ser uma das jornalistas mais sóbrias e bem informadas. E também porque o prognóstico feito por ela ou por suas fontes (quer reais, quer imaginárias) sintetiza o clima geral que tomou conta da militância de redação desde o encontro casual de Donald Trump com o descondenado-em-chefe na Assembleia Geral da ONU.
Apesar dos desejos do governo brasileiro – que o jornalismo “profissional” transformou em noticiário –, a taxação de 50% não foi derrubada e a demanda política continuou a mesma
A partir daquele ocorrido, como se sabe, os bajuladores midiáticos do governo passaram a martelar insistentemente a tese de que, de um dia para o outro, o presidente americano apaixonara-se perdidamente pelo mandatário brasileiro e que, a partir dessa “química” entre os dois (a expressão zombeteira usada por Trump para descrever o encontrão nos corredores), todas as medidas tomadas pelo governo dos EUA contra o país, incluindo sanções contra autoridades e a taxação de 50% sobre nossas exportações, seriam abolidas.
Na Globo News, só se falava nisso: Trump encantara-se com o marido da Janja e encaminhava uma virada de 180º nas relações (que haviam tomado um rumo hostil) entre os dois países. Com um indisfarçável e contagiante sorriso no rosto, Octavio Guedes, Andreia Sadi, Natuza Nery, Valdo Cruz, Sandra Coutinho e cia. juravam de pés juntos que o discurso de Trump desarmara a estratégia bolsonarista de monopolizar a interlocução brasileira com a Casa Branca; que o lobby da J&F junto ao governo americano tinha conseguido furar o bloqueio erguido por Eduardo Bolsonaro e expor para a Casa Branca os impactos do tarifaço para o consumidor americano; que, ao telefone, Trump chegou a ser “afável e carinhoso” com o sujeito que o chamou de nazista meses antes etc.
Se Daniela Lima ainda trabalhasse no canal, é provável que dissesse – a sério – que Trump pensava em separar-se de Melania para se casar com o Sapo Barbudo. Em suma: o clima era de frêmito nos decotes da blogosfera lulopetista. Tão enamorado da tese ficou o repórter Guilherme Balza que chegou a noticiar um movimento de isolamento de Marco Rubio por parte de Trump, de modo que o secretário de Estado não atrapalhasse a romântica história de amor interamericana. Tudo eram flores, riachos e campinas verdejantes...
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O sonho de Balza só durou, é claro, até que, dias depois, o presidente norte-americano resolvesse escalar ninguém menos que o mesmo Rubio para mediar o acordo de paz no Oriente Médio, referindo-se ao indicado como “o maior secretário de Estado da história”. E o sonho prometido por Malu Gaspar só durou até ontem, quando o tão esperado encontro entre Mauro Vieira (o fantoche de Celso Amorim) e Marco Rubio terminou no mesmo ponto em que começaram as exigências americanas ao Brasil, desde a famosa carta de Trump, enviada ao descondenado-em-chefe no dia 9 de julho.
Apesar dos desejos do governo brasileiro – que o jornalismo “profissional” transformou em noticiário –, a taxação de 50% não foi derrubada e a demanda política continuou a mesma. Segundo fontes da Jovem Pan em Washington, o chanceler brasileiro saiu do encontro “atabalhoado” e “atordoado”. Aparentemente, tendo ele próprio acreditado na fantasia da Globo News, Mauro Vieira ficou perplexo quando Rubio (o qual – vejam que espanto! – não foi isolado) condicionou qualquer avanço comercial à revisão do que chamou de “opressão judicial no Brasil”, citando nominalmente Alexandre de Moraes e as sanções aplicadas a figuras públicas. Ou seja, o regime brasileiro e seu exército de cheerleaders foram para a reunião cantando Nada Será como Antes e saíram ruminando o “Tudo como dantes no quartel de Abrantes..."
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos




