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Valter Campanato/Agência Brasil
Valter Campanato/Agência Brasil| Foto:

Na última segunda-feira, participei de uma conference call com três pessoas do Brasil. O assunto era justamente a greve dos caminhoneiros, pois minha empresa distribui produtos fabricados no interior de São Paulo, e havia uma preocupação legítima com prováveis atrasos no envio de mercadoria para os Estados Unidos. Durante a reunião, um dos participantes começou a citar alguns áudios de WhatsApp que havia recebido de fontes confiáveis. De acordo com a pessoa, deveríamos nos preparar para o pior, pois o movimento era muito mais que uma simples reivindicação por diesel mais barato, menos pedágios e outras pautas divulgadas; era, na verdade, uma revolta contra o governo, algo que só poderia ser parado com a saída de Michel Temer da presidência. Fiquei completamente calado durante o breve debate que se seguiu, guardando minha opinião para o final. Quando, finalmente, os três terminaram a conversa, eu disse:

“Vocês estão encontrando virtude e coragem onde não existe. Se há algo que aprendi nos quase dez anos que escrevo sobre política é que as motivações do brasileiro são geralmente as mais baixas possíveis. No caso, uma vez atendidas as pautas rasteiras e estatistas dos caminhoneiros, o movimento murchará, as coisas voltarão lentamente ao normal e nós, sociedade produtiva, pagaremos uma conta bem alta.”

Dito e feito. O governo cedeu somente a uma parte das reivindicações, justamente as que beneficiavam exclusivamente os caminhoneiros e outros agentes de seu setor. Sei que sempre é muito chato escrever o óbvio, mas às vezes é necessário: o que foi atendido era, desde o princípio da paralisação, seu objetivo mesmo. Somente alguém muito ingênuo ou muito iludido poderia acreditar que o governo aceitaria negociar com alguém que lhe impusesse, como primeira condição, deixar de ser governo. O que vimos foi uma versão em larga escala do que acontece todos os dias nos tribunais trabalhistas brasileiros: alguém pedindo cem para sair com dez. No caso dos caminhoneiros, visto que sua greve afetaria a maior parte da população brasileira de maneira drástica, nada mais natural que incluir itens difusos porém de grande apelo popular na pauta de reivindicações; em outras palavras, cenouras para atrair apoio.

O governo Temer, como todo governo tipicamente brasileiro, comprometeu-se em trocar seis por meia dúzia, em descobrir os pés para cobrir a cabeça, em vender o jantar para comprar o almoço (você pode usar qualquer outro ditado popular que conheça e que seja aplicável). “Vocês querem diminuição no preço do diesel e isenção de pedágio para o eixo suspenso? Tudo bem. Vou repassar o custo para um pessoal que dificilmente me causará tantos problemas e em troca vocês param com essa malcriação e me deixam terminar meu mandato em paz.” Como eu disse em meu Twitter no início desta semana, o Método Temer de negociação pode até ser usado no âmbito familiar: quando seu filho fizer um escândalo porque está com fome, não corte seus gastos com cigarro para comprar mantimentos. Em vez disso, tire a comida dos irmãos e dê para o birrento.

As implicações dessa greve ainda não podem ser conhecidas em sua totalidade. Até o momento, porém, não consigo ver nenhum resultado positivo, muito pelo contrário: o que prevaleceu foi uma visão estatista e paternalista, sem absolutamente nenhum ganho para a agenda do Estado mínimo e da liberdade econômica. Em lugar de uma política de preços com variação diária e baseada no preço internacional do petróleo, um congelamento mensal de preços, artificialidade típica de governos populistas e enterrados em dívidas. Em lugar de abertura econômica para o setor petrolífero, um fortalecimento do monopólio estatal. Em lugar da regulação de preços pelo mercado, canetadas governamentais como a que proíbe postos de gasolina de não repassarem o desconto no diesel. Enfim, mais e mais e mais Estado.

Somente a título de comparação, nesta semana o estado da Flórida está abrindo mão de todos os impostos sobre itens de necessidade no caso de furacões, tais como baterias, geradores, lonas, sistemas de ancoragem, rádios de comunicação, pilhas, lanternas etc. A previsão para o verão deste ano é de pelo menos 14 ocorrências naturais, que podem variar de tempestades tropicais a furacões de alto poder destrutivo. Mesmo sendo o imposto de apenas 6,5%, qualquer incentivo que leve as pessoas a se prepararem com antecedência é sempre bem-vindo. Impossível não reparar na diferença de abordagem e de princípios na condução do governo.

Resumindo e finalizando, o decorrer da semana mostrou que eu tinha razão em não esperar nada além de uma simples aplicação em larga escala da lei de Gérson. Manter as expectativas as mais baixas possíveis é uma condição essencial para se evitar a insanidade no Brasil. Quanto aos meus colegas de trabalho, segunda-feira que vem teremos mais uma reunião. Pretendo me segurar e não tocar no assunto, apesar de ser a oportunidade perfeita para um “eu te disse” daqueles.

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