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A deputada republicana Liz Cheney perdeu as primárias de seu partido e não poderá disputar a reeleição em novembro.
A deputada republicana Liz Cheney perdeu as primárias de seu partido e não poderá disputar a reeleição em novembro.| Foto: Michael Reynolds/EFE/EPA

No dia 16 passado, quando saíram os resultados das primárias de Wyoming, a última de quatro dinastias políticas americanas recebeu seu aviso prévio de término. Quando a nova legislatura federal se reunir pela primeira vez, em 3 de janeiro de 2023, não haverá nenhum Cheney, Clinton, Bush ou McCain ocupando um cargo político na esfera federal. Tanto este que vos escreve como a maioria dos leitores desta coluna ainda não eram nascidos da última vez que isso aconteceu, lá em 1967.

A eliminação dessas quatro famílias poderosas da política federal americana é resultado direto das ações de Donald Trump. O ex-presidente foi minando o poder dos remanescentes de cada uma delas, com um “carinho” especial por Liz Cheney, que não só votou a favor do impeachment de Trump como também teve papel ativo na caça às bruxas do 6 de janeiro.

Cheney concorreu à vaga republicana pelo Distrito Único de Wyoming – embora tenha uma área similar à do estado de São Paulo, Wyoming tem menos de 600 mil habitantes, e sua densidade populacional só não é menor que a do Alasca. Por isso o estado tem apenas uma cadeira na Câmara Federal – contra Harriet Hageman, candidata apoiada por Trump. A derrota de Cheney vinha sendo desenhada havia meses, confirmada de pesquisa em pesquisa. Mas é a magnitude da surra que levou que mais importa em nossa análise. Hageman teve nada menos que 66,3% dos votos, 37 pontos acima de sua adversária, fazendo valer cada centavo, tuíte e minuto gastos por Trump para derrubar uma de suas maiores inimigas dentro do Partido Republicano.

A quase-ex-deputada concedeu a vitória à sua adversária com um discurso cheio de pompas. Entre outras coisas, disse que preferia perder a vencer fazendo algo que contrariasse seus princípios, e citou Trump diretamente. Tentou dar um tom de estadista à sua fala, bem ao encontro das conversas de que poderia sair como candidata à presidência de forma independente, apenas para tirar votos de Trump. Bastou uma pesquisa para que a ideia fosse por água abaixo. Cheney chegou a míseros 11%, e tirou mais intenções de voto de Biden que de Trump. Uma piada pronta.

Papais e mamães contra a lacração nas escolas

Uma semana depois, no dia 23, houve diversas eleições locais no estado da Flórida. Dentre os cargos em disputa, dezenas de assentos nos conselhos escolares de cada distrito educacional. E a vitória foi do governador Ron DeSantis. Dos 30 candidatos que apoiou, 21 foram eleitos e quatro ainda têm chances porque foram para um segundo turno. Os 30, assim como diversos outros candidatos conservadores espalhados por todo o estado, focaram suas “campanhas” em um tripé formado por direitos dos pais sobre a educação dos filhos, direito de escolha de escola e transparência total em relação ao currículo escolar.

Dois distritos merecem menção especial. No condado de Sarasota, cujo conselho escolar desafiou o governador, no ano passado, ao manter a obrigatoriedade do uso de máscaras nas escolas mesmo depois que uma ordenança estadual proibiu tal prática, os candidatos conservadores venceram todos os três assentos que estavam em jogo, revertendo uma minoria de 2-3 para uma acachapante maioria de 4-1. O outro condado que bateu de frente com DeSantis na questão das máscaras foi o de Miami-Dade, e dois candidatos apoiados pelo governador venceram suas disputas para o conselho escolar. Com isso, Miami-Dade passou a ser o maior distrito escolar dos Estados Unidos a ter maioria conservadora.

A indignação com o nível do ensino levou os pais a partir para a ação política junto aos distritos escolares dos quais seus rebentos fazem parte. Quem tem filhos sabe: mexer com eles é romper a fronteira do aceitável

A revolta de papais e mamães contra a cultura woke, contra o identitarismo de gênero e contra a sexualização precoce das crianças parece ser um movimento sem volta. A mesma indignação que levou o povo da Virgínia a escolher Glenn Youngkin – novato na política que focou sua campanha nas questões escolares que tanto afligem os pais americanos – fez com que essa turma de progenitores partisse para a ação política junto aos distritos escolares dos quais seus rebentos fazem parte. Quem tem filhos sabe: mexer com eles é romper a fronteira do aceitável.

Para concluir, vale mencionar que o Partido Democrata também teve suas primárias na Flórida, e o escolhido para a ingrata tarefa de enfrentar Ron DeSantis foi o ex-governador Charlie Crist, cujo mandato foi cumprido pelo Partido Republicano, de 2006 a 2010. Crist disse que, se eleito, sua primeira ação será assinar uma ordem executiva permitindo o aborto em todo o estado. Definitivamente, os democratas perderam a conexão com a realidade. A questão do aborto na Flórida de 2022 é importante apenas para a esquerda radical. O estado está mais conservador que nunca, as duas casas legislativas estaduais têm maioria republicana com folga, o governador tem aprovação recorde e deve levar a reeleição com 15 pontos ou mais de vantagem. O desânimo dos democratas floridianos é justificável. O partido já deixou claro que não vai colocar dinheiro na campanha de Crist, porque seria dinheiro jogado no lixo.

E assim as eleições americanas vão acontecendo, passo a passo, neste importante ano de 2022. São primárias partidárias em um lugar, cargos do governo local em outro, e vai se consolidando a ideia de que os democratas têm muitas perdas a realizar em novembro.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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