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Francisco Escorsim

Francisco Escorsim

Uruguai

O desejo de ir embora do Brasil e a volta para casa

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A Basílica do Santíssimo Sacramento, em Colonia del Sacramento (Uruguai). (Foto: James G. Howes/Wikimedia Commons)

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Lembro de uma reportagem na imprensa, publicada logo depois da vitória de Lula em 2022, informando o crescimento da procura por assessorias de migração. Algumas empresas chegaram a receber cinco vezes mais pedidos diários do que a média, que já era alta.

Um ano depois, segundo dados do Ministério das Relações Exteriores, o número de brasileiros morando fora do país aumentara tanto que já era o dobro do crescimento havido entre 2021 e 2023. E em 2018, o Datafolha fez uma pesquisa mostrando que quase metade dos brasileiros gostaria de sair do país.

Motivos para sair não faltam, sabemos todos. Todo mundo já pensou nisso, quem nunca? Mas a maioria (nela me incluo) deve desistir rapidamente, mais por causa da falta de condição financeira para levar a sério uma mudança de vida desta magnitude do que por falta de vontade.

Semana passada fui conhecer o Uruguai, um dos locais preferidos de quem tem grana para sair do país, mantendo distância próxima o suficiente para parecer que não saiu tanto assim. Ao menos para quem reside e tem família no Sul do Brasil.

Todo mundo já pensou em sair do país, quem nunca? Mas a maioria (nela me incluo) deve desistir rapidamente, mais por falta de condição financeira que por falta de vontade

Fui a passeio, mas me surpreendi várias vezes pensando se eu conseguiria morar, viver ali. Espantava-me mais ainda porque a resposta vinha até antes da pergunta. Era sim. Em parte, porque para um curitibano se sentir à vontade em Montevidéu bastam poucas horas na cidade e breve contato com as pessoas. Isso explicaria a resposta, mas não o motivo pelo qual a pergunta surgia com tanta frequência.

Não fiquei apenas na capital; passeei também por Colônia de Sacramento e Punta del Este. Seja nos lugares, seja pelos caminhos, sentia-me em “casa”. Conversando com um amigo que costuma viajar para lá, entendi melhor essa sensação. Disse que achava o país contemplativo. E era isso. As paisagens, naturais ou urbanas, belas ou degradadas, convidam à contemplação, o que significa também uma introspecção, um ensimesmamento.

Até em jogo de futebol, creia. Assisti a Nacional x Liverpool, no Gran Parque Central, casa do Nacional e o estádio em que o Brasil estreou em Copas do Mundo (com derrota, aliás, para a Iugoslávia). A “hinchada” latina costuma ser vibrante, e foi, ainda mais com a vitória importante para o mandante, mas, na saída, não fosse pelo colorido tricolor das roupas, não seria possível discernir o público de um que tivesse assistido a uma ópera num teatro. Caminhada tranquila, silenciosa, contida.

Até nos bares e lanchonetes do entorno, onde paramos para comer chivitos e choripanes, não era preciso levantar a voz para se fazer ouvir. Pelo contrário, a certa altura falei que achava que gostaria mais do Peñarol, arquirrival do Nacional, e meu filho mais velho me cutucou, pedindo pra falar baixo. E eu não estava falando alto.

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Nem o fato de o país não ter nominalmente Páscoa e Natal me incomodou. Desde a Constituição de 1919, a Semana Santa é chamada de “Semana do Turismo” e o Natal se tornou “Dia da Família”. É ridículo, claro, até porque mudar os nomes não altera a razão de ser dos feriados.

Enfim, essa separação de Estado e Igreja está consolidada no Uruguai, o que não significa que a religião seja proibida e que Páscoa e Natal não sejam celebrados. Os católicos seguem vivendo como sempre viveram. Aliás, os cristãos formam a maioria por lá e, somando-se aos que acreditam em Deus, sem ter religião formal, mais de 80% da população não é ateia.

No fim das contas, o que se consolidou é mais a liberdade de crença (seja qual for) do que outra coisa. Não deixa de ser um convite aos cristãos para deixar César pra lá. Mais um chamado à contemplação, portanto.

Na Basílica do Santíssimo Sacramento, em Colônia do Sacramento (que originalmente se chamava Colônia do Santíssimo Sacramento), há uma estátua de São Francisco diferente. Em vez dos passarinhos e/ou outros animais que costumam acompanhá-lo em suas imagens, pintadas ou esculpidas, o santo segura uma caveira na mão direita e mais nada. Sorri, entendendo por que tanto me vinha do coração a sugestão sobre morar em um lugar melhor. E voltei para casa.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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