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Fé (e futebol)

Só se escreve por amor

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Torcida do Athletico Paranaense em partida na Arena da Baixada. (Foto: Albari Rosa/Arquivo/Gazeta do Povo)

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O cansaço era maior do que eu imaginava. Na cadeira ao lado, meu caçula conferia um gráfico na tela do celular. Achei interessante e, antes que eu falasse o mesmo, meu primogênito, do outro lado, disse antes: “Parece um eletrocardiograma”.

E parecia mesmo. Embora não seja médico nem saiba ler um exame desses, desconfio que aquelas profundas depressões e súbitas elevações seriam diagnosticadas como mais do que arritmia, isquemia, infarto ou tango argentino.

Era intervalo do jogo, o último da temporada. No gráfico, a campanha do time. Eu, realmente cansado. Mirava o campo de jogo sem conseguir afastar a lembrança do fim da temporada passada. Era um trauma, não tinha como negar.

Bastava um empate com o Bragantino para escaparmos do rebaixamento. Jogando em casa. Aos 30 minutos do segundo tempo, perdíamos. Conseguimos empatar. Cinco minutos depois, perdíamos de novo, resultado final. Caímos pra Série B, habitat natural do nosso rival.

Quer entender melhor a fé, a esperança e a caridade? Torne-se mais do que torcedor de futebol, ame seu clube

Mirava o campo de jogo, como dizia, e o trauma estava mais vivo do que nunca. Mesmo precisando de apenas um empate pra voltar à Série A, ganhando o jogo, outros resultados ajudando, faltando apenas meio tempo, em torno de apenas 1% de chance de não conseguir... Ainda assim, era “só” um empate, de novo. Quem há de garantir que a crueldade do destino tem limite?

Rodadas atrás o 1% significava outra coisa. Era o que restava de possibilidade para subir. Pois bastou. Subimos, até sem tanto drama no segundo tempo. Mais do que isso, trauma enterrado, superado. O rebaixamento que parecia ser o início de uma longa derrocada, pois havíamos subido alto, tornou-se mero tropeço na continuidade desta escalada.

E, se você acha que este texto é apenas sobre futebol, errou. Quer entender melhor a fé, a esperança e a caridade? Torne-se mais do que torcedor de futebol, ame seu clube. Há quem acredite que torcer é diferente de ter fé. Não para quem ama. Só continua indo aos jogos e acreditando, quando se tem 0% de chance de dar certo, quem tem fé por amor, não quem apenas torce por vencer.

Há quem acredite também que exista esperança sem amor. Não há. Na esperança solitária cabe apenas o desejo, o sonho, o que bom seria, todos os “se”, com a realização sendo surpreendente. Na esperança que brota da fé amorosa, todas as probabilidades se tornam certezas, tornam-se “eu sabia” quando acontece, são o que sempre deveria ter sido. E foi, será, é.

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Mesmo que o impossível vença, quando tudo deu errado, a fé não vacila, permanece, se fortalece, sustentando a esperança e intensificando o amor, por paradoxal que pareça. É como a madeira: sem ela não se faz uma fogueira nem a mantém. Mas só há fogo por e com amor.

Amar um clube de futebol é o mais próximo que muitos conseguirão chegar de sentir o ardor da Caridade. Ainda que este amor seja impaciente, orgulhoso, arrogante, escandaloso, irritado, egoísta, se alegre na injustiça contra o rival. Ninguém está falando de perfeição aqui, mas de um aprendizado para tanto. E há muito de exemplar neste amor: tudo desculpa do próprio clube, tudo espera dele, tudo crê para ele, tudo suporta por ele.

As profecias desaparecerão, o dom das línguas cessará, o dom da ciência findará, as estatísticas do Sofascore continuarão, mas o amor pelo clube jamais acabará. Quando eu era criança, falava como torcedor, pensava como torcedor, raciocinava como tendo o melhor time do mundo. Desde que me tornei homem, continuei com as coisas de torcedor.

São Paulo, o apóstolo, escreveu em seu hino à Caridade que, quando chegar o perfeito, o imperfeito desaparecerá. O amor pelo clube de futebol será a última das imperfeições. Escreveu também que por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade – as três. Porém, afirmou que a maior delas é a caridade. Ouso acrescentar: seguida de perto pelo meu amor ao Club Athletico Paranaense.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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