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Francisco Escorsim

Francisco Escorsim

De El Salvador ao Oriente Médio

A Paz que veio no lombo de um burro (e o que isso tem a ver conosco)

nossa senhora da paz
A história de Nossa Senhora da Paz inclui um milagre que parou uma guerra em El Salvador. (Foto: Imagem criada utilizando Whisk/Gazeta do Povo)

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Chegamos cedo. A missa era às 11h30 apenas, dava tempo de passear pelo entorno da igreja cujo nome também era o da estação de metrô e da praça defronte. Belo nome, Nossa Senhora da Paz. Fica em Ipanema, aquela.

Havia algum evento na praça. Cheia de barraquinhas, banheiros químicos, brinquedos infláveis, um palco com banda. Mas o que chamava a atenção eram as entradas com seguranças portando detector de metais. Só entrava quem fosse vistoriado.

Curiosos, entramos para ver do que se tratava. Símbolos e referências judaicas e a Israel eram o elemento comum, onipresente. Soube depois que se tratava da 8.ª edição do FestRio Judaico, organizado pela Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (Fierj). Estava explicado o porquê dos detectores de metais.

O antissemitismo é uma praga que não desaparece e tem crescido no mundo, no Brasil também

O antissemitismo é uma praga que não desaparece e tem crescido no mundo, no Brasil também. Mesmo quando não parece ser, como nas manifestações em defesa da Palestina acusando Israel de genocida, mas jamais dizendo o mesmo do Hamas, que é explicitamente genocida:

“(...) o Movimento de Resistência Islâmica aspira concretizar a promessa de Alá, não importando quanto tempo levará. O Profeta, que as bênçãos e a paz de Alá recaiam sobre ele, disse: ‘A hora do julgamento não chegará até que os muçulmanos combatam os judeus e terminem por matá-los e mesmo que os judeus se abriguem por detrás de árvores e pedras, cada árvore e cada pedra gritará: Oh! Muçulmanos, Oh! Servos de Alá, há um judeu por detrás de mim, venha e mate-o, exceto se se tratar da árvore Gharkad, porque ela é uma árvore dos judeus’ (registrado na coleção de Hadith de Bukhari e Muslim).”

O que vai entre as aspas no parágrafo acima é um trecho do artigo 7.º do Estatuto do Hamas, de 1988. É verdade que em 2017 teria sido atualizado, publicando-se uma carta na qual distingue judeus de sionistas e que seriam estes últimos os verdadeiros inimigos. Mas os abençoados com a paz de Alá não mudaram a parte do matar e, no dia 7 de outubro de 2023, assassinaram e sequestraram centenas de pessoas em Israel, quase todas civis. Não consta que verificaram antes se eram sionistas ou mesmo judeus.

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O 7 de outubro de 2025 seria dois dias depois deste FestRio, mas não havia referência explícita a isso no evento, tampouco às consequências dele e ao conflito atual em Gaza. Nem precisava; a mera representação da cultura judaica ali celebrada bastava como manifesto pelo seu direito à existência. E os detectores de metais simbolizavam a necessidade de sua proteção para ser, de fato, permitida.

A hora da missa se aproximava e fomos para a igreja. Na saída da praça, várias pessoas irritadas com os detectores de metais, algumas xingando até. O que não deixa de ser irônico, afinal, quem poderia reclamar de uma segurança maior no Rio de Janeiro? Aquele abraço, portanto.

Antes de a missa começar, pesquisei a história de Nossa Senhora da Paz. Não a da igreja ou da praça ou da estação do metrô, mas a de Nossa Senhora mesmo. Descobri que tem duas histórias. Uma, a mais conhecida, diz que no início dos anos 1500, na França, um certo Jean de Joyeuse deu uma estátua de Maria como presente de casamento para sua jovem noiva e depois, em 1588, um neto deles se juntou aos franciscanos capuchinhos em Paris, levando a estátua, onde ganhou o nome de Notre Dame de Paix (Nossa Senhora da Paz) por segurar um ramo de oliveira numa das mãos.

Antes de a missa começar, pesquisei a história de Nossa Senhora da Paz. Descobri duas histórias

A partir dali há vários capítulos interessantes, mas achei a outra história de Nossa Senhora da Paz, ocorrida em El Salvador, ainda mais interessante. Lá por 1682, enquanto havia uma guerra civil na região, alguns mercadores encontraram uma caixa abandonada na praia. Como não conseguiram abri-la, decidiram amarrá-la nas costas de um burro e saíram para informar as autoridades locais.

Quando passavam pela igreja paroquial, porém, o burro se deitou no chão e de lá não saiu. Tentaram abrir a caixa mais uma vez e ficaram surpresos por conseguirem, descobrindo que continha uma imagem de Nossa Senhora segurando o Menino Jesus. Quando a história se espalhou, os combatentes pararam de lutar, abandonando as armas. Por isso, a imagem recebeu o título de Nossa Senhora da Paz, cuja celebração litúrgica se realiza no dia 21 de novembro em memória de sua chegada.

Interessante, não? Gosto desta imagem de paz teimosa. Na saída da missa havia uma fila maior para entrar na praça. Era por causa da demora nos detectores de metais, mas gosto de pensar que foi justamente isso que atraiu a curiosidade das pessoas pelo que ali acontecia. Talvez seja assim mesmo que a paz chegue: devagar, despertando curiosidade, fazendo fila, passando pelo detector, sendo xingada, mas chegando.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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