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Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
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“Enfim, o que eu ia dizer é que o setor privado tem uma grande responsabilidade e até esse foi um dos principais motivos por que aceitei vir a esse evento”, disse o juiz Sergio Moro no último dia 10 de abril, no 31.º Fórum da Liberdade, em Porto Alegre, promovido pelo Instituto de Estudos Empresariais (IEE). O contexto da fala era, como não poderia deixar de ser, a Lava Jato e o combate à corrupção, sendo que a motivação é mais do que justificada pela magnitude do evento que, segundo a revista Forbes já considerava em 2013, é “o maior espaço de debate político, econômico e social da América Latina”.

Não só continua sendo como se tornou ainda maior e mais significativo pela importância crescente da chamada “nova direita”. Se em 2018 o evento manteve a média de público presencial, em torno de 5 mil pessoas, foi apenas porque há anos vem lotando o espaço disponível na PUC-RS. Mas a transmissão na íntegra do evento pela internet em várias redes sociais demonstrou o aumento considerável de sua relevância, ultrapassando mais de 600 mil acessos, o que foi três vezes mais que a média em anos anteriores. Não por acaso, não foi apenas o juiz Sergio Moro que aceitou dar seu recado por lá, mas também alguns dos mais importantes pré-candidatos à Presidência da República fizeram questão de participar de um painel especial que pode ser considerado o pontapé inicial da eleição deste ano. Estavam lá Ciro Gomes, Marina Silva e Geraldo Alckmin, além dos “da casa”, João Amoêdo e Flávio Rocha. Embora anunciado na programação, Jair Bolsonaro não compareceu, declinando do convite.

Este fórum é criação do Instituto de Estudos Empresariais, um dos mais importantes think tanks integrantes do que vem se convencionando chamar de “nova direita” brasileira. Surgiu em 1984, por iniciativa de William Ling, então com 27 anos de idade, que enviou uma carta-convite a cerca de 30 jovens empresários de Porto Alegre, todos na faixa dos 20 a 30 anos de idade, para conversarem sobre empreendedorismo em geral e, mais especificamente, sobre a necessidade da formação de lideranças diante da reabertura política pela qual o país passava. A conversa deu muito certo e nasceu o IEE, que mantém até hoje a característica de ser um instituto composto apenas por jovens empresários, já que só podem fazer parte se tiverem entre 20 e 32 anos de idade e desde que indicados por um associado. Desde então, vem formando lideranças empresariais, tendo por parceiros empresas como o Grupo Gerdau e Ipiranga, e realizando esse Fórum da Liberdade desde 1988.

A menção ao Grupo Gerdau é importante porque em 1983 Jorge Gerdau Balbi Johannpeter, bisneto do fundador da empresa, tornou-se o diretor-presidente do grupo e foi dos primeiros e maiores entusiastas não apenas do IEE, mas das ideias liberais em geral. Foi por suas mãos que aquele grupo de jovens empresários em 1984 tomou conhecimento de textos traduzidos para o português de pensadores da doutrina liberal, em especial da chamada Escola Austríaca, como Mises e Hayek. Conforme consta do livro lançado pelo IEE contando sua história: “Até hoje as folhas amareladas daqueles primeiros textos são guardadas como relíquias por alguns membros mais antigos do IEE”.

Por sua vez, esses textos chegaram até as mãos de Jorge Gerdau em decorrência da atuação de outro think tank então recém-criado em 1983, o pioneiro de todos os institutos de viés liberal que surgiriam depois. Capitaneado por Donald Stewart Jr., um grupo de empresários cariocas fundou no Rio de Janeiro o Instituto Liberal, cujo intuito maior era o de divulgar o pensamento liberal, em especial o da Escola Austríaca. Mais de 80 livros já foram publicados pelo IL, inclusive um de autoria do próprio Donald Stewart Jr., O que é o Liberalismo?, reunião de algumas de suas palestras e publicado em 1988. O ativismo de Stewart Jr. foi incansável. Logo depois da criação do Instituto Liberal do Rio de Janeiro, outros sete surgiram em outros estados, sem contar aqueles que nasceram por fruto de sua atuação, como o citado IEE, ou inspirados nas ideias liberais que tanto ajudou a disseminar, como o Instituto Ludwig von Mises Brasil, provavelmente o maior think tank brasileiro da atualidade.

O ativismo liberal, no passo seguinte à criação dos ILs, se deu com a criação do Partido da Frente Liberal, o PFL, em 1985, fundado por políticos como Aureliano Chaves e Marco Maciel, dentre outros, e que viria a ser o grande aliado do PSDB nos governos de Fernando Henrique Cardoso, na década de 1990, quando algumas reformas liberalizantes foram feitas depois do bem-sucedido controle da inflação, tornando Donald Stewart Jr. otimista em relação ao futuro do país. Mas esse teria sido o grande erro dos ativistas liberais da época, segundo Luan Sperandio, em artigo publicado por Rodrigo Constantino em seu blog nesta Gazeta do Povo: “A precoce sensação de vitória fez muitos liberais abandonarem o trabalho a favor das ideias da liberdade. Vários dos Institutos Liberais criados pelo país foram fechados, havendo um verdadeiro renascimento do movimento liberal tão somente no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva”.

Donald Stewart Jr. morreu em 1999, não vivendo para ver o ápice da vitória esquerdista nos mandatos petistas com o aparente desaparecimento das ideias liberais, a ponto de o próprio PFL mudar de nome para Democratas, em 2007. E foi aparente, de fato, pois não demorou para haver um renascimento do movimento liberal com o surgimento de vários institutos e o reavivamento de antigos, como o próprio IL. O ativismo liberal só vem se fortalecendo desde então, a ponto de em 2015 vários desses institutos se unirem na chamada Rede Liberal, que os coordena para “potencializar a divulgação e o impacto efetivo, entre os formadores de opinião, de ideias e iniciativas que visem uma menor intervenção estatal na economia e na sociedade”. Dentre seus membros encontram-se vários dos ILs, bem como o IEE, além de outros importantes think tanks, como o Instituto Millenium e o também citado Instituto Ludwig von Mises Brasil. Portanto, se na jovem “nova direita” a influência predominante de pensadores da Escola Austríaca é inegável, a ponto de nas grandes manifestações populares dos últimos anos terem aparecido cartazes com dizeres “Mais Mises, Menos Marx”, isso é graças ao ativismo pioneiro de homens como Donald Stewart Jr.

Mas nem só de institutos liberais vive a “nova direita”, que também é formada por iniciativas conservadoras. Falar em instituição conservadora no país foi, durante muitos anos, falar basicamente de uma só: a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade – TFP. Embora a própria TFP ainda exista e atue, existindo outras organizações semelhantes, a característica do “novo conservadorismo” não guarda descendência direta com ela. Para se constatar isso basta conferir as atuações pessoais de figuras importantes como o filósofo Olavo de Carvalho, dos cientistas políticos João Pereira Coutinho e Bruno Garschagen, e iniciativas institucionais como as do Instituto Conservador de Brasília, o Burke Instituto Conservador e o Instituto Conservador, todas entidades criadas recentemente. Não creio errar ao também inserir nesse grupo institutos que só indiretamente têm relação com a “nova direita”, pois seu objetivo não é político, mas eminentemente educacional, de formação, como o pioneiro Instituto de Formação e Educação (IFE), já tratado aqui em coluna anterior; o Instituto Borborema, de Campina Grande (PB); o Instituto Lácio, de Belo Horizonte; e o Instituto Hugo de São Vítor, de Porto Alegre, dentre outros.

Por isso mesmo, embora exista preocupação política e o ato em si de atuar na educação fora do sistema formal de ensino seja um ato político importante, a atuação conservadora atual vem se concentrando na cultura e educação, cujos resultados são muito mais lentos para aparecer do que na política, exigindo paciência, perseverança e alguma discrição. Também por isso são muito menores, com pouco dinheiro e influência política infinitamente mais restrita do que seus pares liberais. Mas, no longo prazo, se perseverarem, serão tão ou mais importantes; afinal, nada está na política de um país se antes não estiver na sua cultura, como o próprio Donald Stewart Jr. sabia, seguindo a lição de Hayek: “a sociedade só mudará de rumo se houver mudança no campo das ideias. Primeiro você tem de se dirigir aos intelectuais, professores e escritores, com uma argumentação bem fundamentada. Será a influência deles sobre a sociedade que prevalecerá e os políticos seguirão atrás”.

É por isso que, à luz do ativismo dos think tanks, pode-se afirmar que a “nova direita” aparece num primeiro momento mais liberal que conservadora, assim como mais ativista política que cultural. Mas é somente conhecendo melhor a atuação de todas essas instituições liberais e conservadoras que se torna possível começar a compreender as ideias que defendem segundo os resultados concretos obtidos, bem como a discernir os moldes em que essa “nova direita” eclodiu, os rumos que vem tomando e conjecturar com razoável probabilidade os frutos que se pode esperar dela no curto, médio e longo prazo.

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