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Ninguém confia em pesquisas eleitorais, mas todos se orientam por elas. Inclusive nós. Daquelas coisas que adoramos xingar (as pesquisas, não uns aos outros, espero), mas não ousamos deixar de levar em consideração. Porque é o que temos para nos dar uma noção geral do país para além daquela percepção advinda do senso comum da “bolha” a qual cada um pertence.
Ainda mais hoje em dia, com a perda de referências comuns entre as “bolhas”. É corriqueiro, por exemplo, nos nossos mundinhos políticos, encontrar quem não consiga entender de forma alguma como Lula foi eleito ou que Bolsonaro ainda tenha tanto capital político mesmo estando preso, pois “não conheço ninguém que vote nele!” Já não ouviu coisas assim? Ou já não disse coisas assim? Pois é.
Acho natural que com o tsunami de informações disponíveis hoje em dia e, portanto, com a impossibilidade de saber e acompanhar tudo, acabemos optando por só dar ouvidos àquilo que mais se aproxime da nossa própria perspectiva. O tal “viés de confirmação”, que sempre existiu, hoje em dia desconfio que seja uma necessidade psíquica, uma defesa mental contra o caos informativo.
Considero a polarização e o enfraquecimento da democracia tão preocupantes quanto a criminalidade, mas talvez não existam tantos que pensem como eu
As pesquisas acabam servindo de contraponto (e, para alguns, até como remédio ao sectarismo). Um bom exemplo é a suposta preocupação com a democracia. Por motivos diferentes, é de se imaginar que tanto esquerdistas quanto direitistas a teriam como um dos maiores problemas do país. Pois na última pesquisa Atlas, divulgada recentemente, o enfraquecimento da democracia seria preocupante apenas para 16,1% da população, o quinto na hierarquia de problemas apontados no Brasil.
Ainda que se some a isso o extremismo e a polarização política, que é a quarta preocupação, resultando em 21,5%, ambas ficam bem distantes dos 62,7% de preocupação com criminalidade e tráfico de drogas, e dos 59,8% com a corrupção, que seriam os dois maiores tormentos do brasileiro.
Surpreendente, não? Para mim é. Considero a polarização e o enfraquecimento da democracia tão preocupantes quanto a criminalidade, mas vendo esse resultado talvez não existam tantos que pensem como eu. Ou vai ver que a democracia não é um valor tão caro assim a muita gente.
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Seja como for, segundo a mesma pesquisa, apenas 3% acreditam que o sistema atual funciona bem. Quase 60% acham que precisa de uma mudança completa, enquanto 31% consideram que o sistema pode e precisaria ser reformado. Portanto, eis uma unanimidade entre nós: o sistema faliu.
E quem seria capaz de liderar esta mudança ou reforma? Segundo a pesquisa, “ninguém” foi a resposta para 20%. A pergunta, para ser preciso, foi: “Em quem você mais confia para mudar as coisas no país?” Sim, 20% não confiam em ninguém. Se lhe parece pouco, saiba que os mais confiáveis (os jovens) ficaram com meros 37%. Mais curioso ainda é que partidos políticos tradicionais, lideranças religiosas e influenciadores possuem um grau de confiança irrisório – respectivamente, 17%, 6% e 3%.
Confesso que achava que os influenciadores teriam mais influência. Mas talvez a resposta esteja justamente aí: ninguém inspira confiança real. E quando o melhor colocado é um abstrato “jovens”, o que vemos não é confiança, mas esperança.
A sociedade anseia por mudança, mas vive num vácuo onde nenhuma liderança consegue inspirar confiança genuína
O que esta pesquisa revela, portanto, não é apenas um cenário eleitoral para 2026. É uma sociedade que anseia por mudança, mas vive num vácuo onde nenhuma liderança consegue inspirar confiança genuína. Significa dizer que nas eleições os candidatos até farão um embate entre projetos supostamente transformadores, mas o eleitor fará mais um exercício de contenção de danos. Provavelmente votaremos menos para construir um futuro e mais para impedir que algo pior aconteça.
Ainda assim, há algo de esperançoso nisso tudo. Talvez estejamos menos polarizados do que parece quando saímos da bolha. Talvez a democracia, por mais enfraquecida, ainda guarde sua capacidade de reinvenção.
Enquanto isso, continuaremos xingando as pesquisas, embora obrigados a prestar atenção nelas. Porque, no fim das contas, são um espelho, nem sempre nítido ou refletindo uma imagem agradável, de quem realmente somos. Ainda assim, um espelho.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos





