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Francisco Escorsim

Francisco Escorsim

Polarização e entretenimento

Como o streaming pode unir o que as redes separaram

televisão polarização
E se um filme ou série puder providenciar um ponto de contato entre pessoas com convicções diferentes? (Foto: Imagem criada utilizando Whisk/Gazeta do Povo)

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Algo óbvio: as redes sociais se tornaram mais trincheiras do que praças públicas, com os algoritmos nos conduzindo por entre ecos infinitos de nossas crenças e gostos. Conversar com quem pensa diferente tornou-se um desafio, muitas vezes, um risco. Obter consensos, então... É mais fácil uma miragem se tornar realidade.

Mas e se a ponte entre trincheiras estiver mais próxima do que parece, no aconchego de uma sala, diante da mesma tela que já une milhões há décadas? É o que sugere o relatório “Still Watching 2025”, da Netflix, que ao esmiuçar os hábitos de consumo das gerações Z e Millennial (a turma que tem entre 18 e 42 anos), apontou que o streaming poderia servir como essa ponte, não sendo apenas um terreno comum em que as bolhas passeiam, mas não se encontram.

O relatório aponta que 80% desses espectadores conversam sobre o que assistem na Netflix pelo menos uma vez por semana. Ou seja, ainda que no dia a dia essas pessoas discordem sobre política, economia, moral, sobre tudo, diante da saga de um personagem ou do drama de uma história que acompanham, haveria um ponto de contato, um território neutro permitindo reconhecerem entre si as mesmas emoções, pontos de vista mais próximos do que distantes, visões de mundo com mais semelhanças do que diferenças.

Ainda que no dia a dia as pessoas discordem sobre tudo, diante da saga de um personagem ou do drama de uma história que acompanham, haveria um ponto de contato

De fato, é muito mais fácil pontes serem criadas a partir de uma conversa sobre o final de uma série, a reviravolta de um protagonista ou a complexidade de um dilema moral apresentado em um filme. O algoritmo, assim, apesar de ser o arquiteto de nossas bolhas, talvez também esteja operando uma alquimia inversa no contexto do entretenimento.

A mágica residiria no poder da identificação. Os dados mostram que mais de 80% dos jovens da Geração Z e Millennials afirmam se identificar com as histórias que veem na Netflix ou usam-nas para formar suas identidades. Significa dizer, portanto, que quando um personagem com quem nos conectamos emocionalmente enfrenta uma situação que foge à nossa experiência, ou decide de forma diversa da que seria esperada, isso amplia nosso imaginário e propicia a tão falada e pouco exercida empatia.

Além disso, a grande variedade das produções ofertadas não é vista apenas como um benefício, mas um valor em si, fazendo parte da experiência do espectador que passou a gostar e procurar assistir a coisas diferentes: 60% dizem que, graças ao streaming, assistem a uma variedade maior de gêneros, com 57% confessando que curtiram séries e filmes que não imaginavam que poderiam gostar. O resultado: 90% consideram que isso ampliou sua visão de mundo.

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Não é pouca coisa. Essa experiência compartilhada, mesmo que em caráter individual, gera um capital social invisível, um repertório de referências que não somente alimenta conversas, mas pode desfazer preconceitos e, ei-las, começar a construir pontes para mitigar nossas diferenças e desavenças.

Claro, não se trata de uma panaceia para a “bolharização”. Um episódio emocionante de um seriado não anula anos de divisões profundas. Mas, em um mundo onde cada vez mais buscamos motivos para nos separarmos, encontrar um terreno comum capaz de nos unir (ainda que por momentos e de forma provisória) é mais do que um alento. É, enfim, uma boa notícia.

Não deixa também de ser a prova n.º 5.398.348.234.873 na história da humanidade de que, no fundo, somos movidos pelas mesmas narrativas, pelas mesmas perguntas sobre o que significa ser humano. Então, na próxima grande série que você for maratonar, seja qual for, lembre-se que nunca será apenas entretenimento, mas também um pequeno, mas poderoso, ato de comunhão. Quem diria que a tela, antes acusada de nos isolar, poderia ser a nossa mais improvável ponte?

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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