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A teoria do racismo estrutural afirma que, independentemente da intenção dos indivíduos, as instituições operam segundo lógicas excludentes que mantêm a desigualdade racial. Sua força reside na capacidade de oferecer uma explicação totalizante para a persistência das hierarquias sociais no Brasil. É precisamente essa totalidade que compromete seu valor explicativo. A teoria parte do que deveria demonstrar. Assume como ponto de partida aquilo que apresenta como conclusão. Portanto, opera, em termos formais, como petição de princípio.
A petição de princípio é uma falácia lógica. O argumento se fecha sobre si mesmo. A conclusão é uma repetição velada da premissa. A desigualdade racial, então, não exige mais verificação empírica, nem contraste com outras variáveis. É tomada como evidência imediata da estrutura racista. E essa estrutura racista, por sua vez, é identificada justamente pelo efeito da desigualdade. Forma-se um circuito fechado, onde a teoria não precisa mais provar nada, apenas repetir-se. Cria-se um campo onde toda objeção é interpretada como resistência moral, e não como questionamento legítimo.
Em termos mais exigentes, a teoria impõe, assim, um vínculo causal direto entre desigualdade e racismo estrutural. A simples existência de disparidades raciais é interpretada como prova da estrutura racista. A lógica analítica é invertida: o dado é dobrado ao conceito, e não o contrário. A correlação se transforma, sem mediação, em causalidade. O Sol nasce porque o galo canta. A multiplicidade de fatores que produzem desigualdades — classe social, acesso à educação, distribuição territorial, redes familiares, trajetória histórica — é descartada como um detalhe acessório ou como derivada da estrutura racista. O conceito se torna absoluto, impermeável à crítica, imune ao contraditório. A teoria, que deveria iluminar a realidade, passa a ofuscá-la.
Essa operação exige uma reinterpretação retroativa da história. A escravidão é apresentada como prova originária da estrutura racista. No entanto, o escravismo moderno não foi fundado sobre uma teoria da inferioridade racial. Sua origem está na lógica do lucro, da força, da organização colonial. Os africanos foram escravizados não por serem considerados inferiores, mas por estarem disponíveis, por possuírem resistência física e imunológica, por fazerem parte de rotas comerciais já consolidadas. O racismo surgiu como justificativa posterior, como racionalização ideológica de um sistema já estabelecido. Tornou-se útil, mas não foi fundante. Reverter essa ordem é reescrever a história sob uma teleologia fabricada.
A inversão causa efeitos graves. Transforma o que foi racionalização em fundamento. O que era ideologia de manutenção se torna origem de tudo. A história vira narrativa fechada, com começo, meio e fim já definidos. A teoria deixa de ser instrumento de leitura para se tornar manual de instruções. A moral ocupa o lugar da análise crítica cuidadosa. É a retórica da justiça social. O passado só é objeto de estudo para legitimar a condenação. A análise cede espaço à liturgia da culpa. Mais do que um método historiográfico, é um tribunal.
As consequências estão aí para todos experienciarem. A teoria do racismo estrutural, uma vez transformada em doutrina, impede o pensamento sociológico de distinguir entre causas concorrentes. Qualquer desigualdade racial é enquadrada na estrutura. Não se investigam os fatores locais, as dinâmicas regionais, os efeitos cruzados de classe e cultura. E aí de você questionar. Todos os poros da história são sacrificados no altar do novo catecismo da nova esquerda. A realidade é um esquema pronto. E o esquema funciona como código moral: de um lado, os que reconhecem o racismo estrutural; de outro, os que o negam. A dúvida metodológica vira sinal de cumplicidade com a opressão.
O pensamento perde sua vocação crítica. A teoria não se oferece mais ao debate, mas ao engajamento. Substitui a razão pela adesão. Não interroga o mundo: classifica. Não mede causas: denuncia culpados. O conceito, agora absoluto, não precisa mais das mediações da análise. Opera como marcador moral. Define quem está do lado certo da história. Ganha quem afirma com mais ênfase, não quem compreende com mais rigor.
O marcador moral absoluto fixa a história num gesto irreversível: tudo foi violência, tudo permanece culpa. A miscigenação vira sentença. O país inteiro deixa de ser mistura para tornar-se ferida. A mulher real perde a voz e a escolha. Vira estátua de dor: calada, imóvel, alheia ao próprio destino. É o passado que a arrasta, nunca ela que caminha. Apagam-se os matizes, os desvios, os silêncios cheios de sentido, os afetos. Sobra uma narrativa lisa, implacável, sem poros.
A nova interpretação da miscigenação brasileira, a partir dos dados genômicos recentes, condensa essa leitura: o padrão de violência, no qual homens europeus violentaram mulheres negras e indígenas, deixando filhos que foram integrados em sua linhagem. Somos filhos do estupro. A frase concentra, em tom de lamento moral, a ideia de que toda a formação nacional está contaminada por um ato fundador de violência sexual. É menos uma descrição do processo histórico do que uma reiteração de seu julgamento. O dado genético se converte em diagnóstico simbólico. A história vira sentença, e o historiador, o juiz.
O racismo estrutural é a ferramenta para o dogmático. Não precisa investigar, pois a condenação já foi dada. O discurso confortável desampara quem, de fato, viveu. Substitui a realidade por um espelho ideológico. Quem ganha com isso não é a verdade, nem a dignidade. Ganha o aplauso fácil, os livros vendidos. E quem ocupa o poder com seu exibicionismo moral.




