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Fuja do viés de confirmação
| Foto: Colin Behrens/Pixabay

Não raramente, recebo perguntas de pessoas com muita boa vontade e contrárias ao aborto me pedindo para indicar bons livros contra o aborto. Depois de indicar uns dois ou três, que considero indispensáveis para o refinamento de repertório, de propósito, também indico os melhores livros a favor do aborto que eu conheço. Ajo da mesma maneira quando me pedem livros que refutem o marxismo e o comunismo. Sim, conheço bons livros teóricos acerca dessas fantasias ideológicas. Mas, por honestidade intelectual e dever de ofício, acredito que, em certos casos, vale o esforço de desenvolver, por si mesmo, a capacidade de refutar o melhor daquilo que não considero o certo.

Alguém apressadamente até poderia dizer que é uma total perda de tempo. Contudo, para quem se envolve na discussão, eu defendo que é um exercício necessário saber lidar em primeira mão, em vez de ler de orelhada, com o que há de melhor a respeito daquilo de que não só discordamos, como também tem o poder de influenciar milhares e milhares de pessoas.

Nossas convicções religiosas, morais e políticas não podem temer o confronto de ideias

Neste texto, eu não gostaria de discutir o tema do aborto e tampouco essas tolices ideológicas tão sedutoras. Tomei-os apenas como exemplo para falar de um assunto muito mais preocupante para quem se aventura na arte de ler e se posicionar argumentativamente: o viés de confirmação. Claro que procuramos ler alguns textos para fixar ainda mais aquelas nossas certezas profundas sobre os mais diversos assuntos no âmbito de toda vida cultural. Lembro-me de um velho professor que dizia que deveríamos assinar vários tipos de revistas e jornais para desenvolvermos uma visão plural mais robusta da sociedade. Pessoalmente, eu não concordo com isso. Há níveis de leituras e cada um satisfaz os mais diferentes tipos de motivações.

No caso de textos jornalísticos e do debate promovido pela seção de colunistas dando opiniões, acredito que o mais importante seja precisamente reconhecer o perfil ideológico do jornal e dos colunistas a fim se familiarizar com o ambiente que não só promova como fortaleça algumas de nossas convicções mais genuínas. Nesse caso, não há problema em se apoiar em alguém que respeitamos intelectual e moralmente para expressar e condensar as nossas crenças. O que não pode acontecer é um jornal faltar com a transparência editorial: alegar valor incondicional à liberdade de expressão enquanto debate de ideias, mas agir de forma contrária a esse valor. Por exemplo, vetar algum artigo que vá contra uma posição politicamente sensível para não ofender o leitor.

Agora, a paisagem intelectual se altera no que diz respeito à leitura crítica de ensaios que tocam em alguns temas contrários à nossa concepção de mundo. Nossas convicções religiosas, morais e políticas não podem temer o confronto de ideias. Para ser mais preciso, não podemos ler apenas textos que confirmem crenças que já estão presumidas como verdadeiras. Há fases na nossa vida, sobretudo quando estamos em busca de sedimentar uma visão de mundo, em que é fundamental aprender a lidar com o confronto argumentativo e crítico. Entretanto, é sedutor encontrarmos posições e reflexões favoráveis e que apenas confirmem o que de antemão já sentíamos como verdadeiro, porém não conseguíamos verbalizar pela falta de experiência. Geralmente, essa experiência psicológica acontece na adolescência, quando os medos e receios não foram devidamente domados pela maturidade.

No caso de quem se dedica a algum tipo de pesquisa que se pretende com algum grau de cientificidade – neste contexto, entendido como algum grau de veracidade –, a pior coisa que pode acontecer é não se vencer o efeito psicológico do viés de confirmação. É preciso saber dosar a leitura aqui. Nesse caso da busca de veracidade, sim, ler diferentes fontes ajuda, porque se trata da disposição de examinar constantemente nossas opiniões. No nível do exame das certezas, colocar-se em dúvida pode até ser uma tarefa difícil, mas é muito gratificante. Por isso, o péssimo pesquisador – e leitor – é aquele que parte da absoluta certeza do resultado de sua pesquisa e leitura. Afinal, nesse caso, sem dúvida nenhuma, onde ele procurar encontrará fatos e textos que confirmem a sua presumida certeza.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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