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Urna eletrônica
Urna eletrônica| Foto: ASICS/TSE

Não deixa de ser curiosa a indignação de alguns bons cidadãos quando, ao me perguntarem em quem votarei nas próximas eleições, respondo com um direto e simples: para o Executivo, votarei branco ou nulo! Para o Legislativo, estou avaliando. Pessoalmente, sempre defendi o direito político ao voto nulo ou branco (não entrarei na discussão técnica). Nesses dias, Luiz Inácio reacendeu o debate ao afirmar a seguinte bobagem: “Quem anula o voto ou se abstém não tem o direito de reclamar depois”.

Em 2018, o Burger King promoveu uma campanha para “combater o voto em branco” com a mesma perspectiva do ex-presidente. Eles entregam um sanduíche todo malfeito para as pessoas que declararam o voto em branco. O papel usado para embrulhar o hambúrguer vinha com a seguinte mensagem: “Este é o Whopper em branco, um sanduíche com ingredientes escolhidos por outra pessoa. Quando alguém escolhe no seu lugar, não dá para reclamar do resultado”.

Em que democracia não seria legítimo o voto nulo, uma vez que a premissa fundamental da democracia é a liberdade individual de consciência política?

Muita gente elogiou a propaganda pelo “didatismo da mensagem”. Entretanto, só esqueceram de mencionar o fato de que a participação cívica de cidadãos numa república não tem nada a ver com a lógica de um contrato comercial de serviço, ainda mais de alimentação. Comprar sanduíche, ou contratar qualquer serviço, pressupõe o que está sendo comercializado. Numa transação econômica básica, o cliente sabe o que será servido no cardápio – ou, se preferirem, no contrato. Se não sabem, azar deles. Votar branco não implica “aceito qualquer coisa, portanto não reclamarei do que vier”.

Ao contrário, a decisão política de anular o voto não anula a minha cidadania participativa e meu direito de exigir o melhor para o meu país, de acompanhar cada passo dado pelo político eleito. Ninguém perde o seu direito de reclamar de qualquer político eleito. Menos ainda perde o direito de participar, ativamente, de decisões políticas. A propósito, quem manda ainda é o cidadão. Aliás, se não fosse assim, só poderíamos reclamar dos políticos em que votamos: quem não votou no Bolsonaro nas eleições passadas não poderia reclamar de seu atual governo. O voto em branco ou nulo é só mais um voto, tão voto quanto o voto na Marina Silva ou no Cabo Daciolo.

Esse tipo de crítica ao voto branco ou nulo só demostra a fragilidade da ideia que esse pessoal tem da democracia. É uma ideia domesticada de democracia. Afinal, em que democracia não seria legítimo o voto nulo, uma vez que a premissa fundamental da democracia é a liberdade individual de consciência política? Se eu não encontro representação política nos projetos políticos em disputa, a opção de votar nulo ou branco segue justificada. Depois das eleições continuarei agindo como cidadão, pagando meus impostos e com meus direitos políticos garantidos.

Além do mais, abster-se desse tipo específico de participação política não deixa de ser uma forma legítima de participação política. E não precisa ser vendido como “voto de protesto”, só para ter alguma legitimidade diante dos outros. Pois é democrático o exercício político de não reconhecer a representação de nenhum desses políticos disputando as eleições. E, por favor, também não se trata de indiferentismo político – pelo menos não para mim. Defendo muitas outras formas de participar da vida política.

Nossa cultura democrática não pode se tornar a imagem de ovelhas domesticadas voluntariamente subjugadas por lobos. O voto nulo – seja por algum tipo de protesto ou não – representa igualmente o que é fundamental à construção da democracia: a liberdade de participar ativamente da política a partir do exercício da própria consciência individual. Cada cidadão deve ser livre para escolher o que entende ser o melhor para ele e para a sua comunidade. E as eleições fazem parte de apenas um momento político. São uma parte do processo, não o todo.

Voto nulo desde os 18 anos de idade. Nas últimas eleições, votei em Bolsonaro e me arrependi. Faz parte. Hoje, estou ciente de que nenhum político me representa. Nem por isso não tenho ideias políticas. Apenas não encontrei tais ideias representadas pelos candidatos à Presidência que disputam as eleições.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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