Num momento em que se agiganta o poder da esquerda em todo o Ocidente, e sua agenda é imposta a força pelas elites pagãs, é importante entender o jogo conceitual que está ocorrendo e discernir o abismo para onde a sociedade Ocidental – berço da liberdade, da história, da literatura, da filosofia, da arte e da democracia – está sendo empurrada – assim como o papel da Igreja cristã. Pois, como destacou Bento XVI: “Quando a política pretende ser redentora, promete demais. Quando pretende fazer a obra de Deus, não se torna divina, mas demoníaca”.
O cerne do esquerdismo
As ênfases estatizantes e intervencionistas são dominantes na mentalidade esquerdista, como no comunismo e nacional-socialismo. Para o modelo de governo esquerdista, há pouca ou nenhuma liberdade individual e econômica. O Estado ou o partido adquire uma dimensão transcendente, assumindo o lugar de Deus, agindo para estender seu domínio ideológico sobre todas as esferas da sociedade, ou seja, a Igreja, a escola e educação, o trabalho e o entretenimento.
Em suma, o cerne da esquerda é o estatismo. O estatismo preconiza a intervenção e atuação intensas do Estado nas várias esferas da sociedade e se impõe sobre esta sem considerar se pessoas não aprovam sua estrutura ou não votaram a favor dela. O aparelhamento do Estado a partir do Executivo passa pelo controle do Judiciário, o que se dá por meio da indicação de aliados ideológicos para cargos de ministro da justiça, de ministros da suprema corte e de juízes em posições estratégicas, juntamente com a coerção ou suborno de deputados e senadores do Legislativo – estas ações caracterizam, no conjunto, o modelo estatista. E a imposição desse modelo gradualmente se degenerará numa sociedade governada por um governo autoritário ou totalitário. Ou seja, o estatismo é um conceito mais abrangente que a mera ausência de eleições livres e “democracia”.
As diferenças entre totalitarismo e autoritarismo podem ser estabelecidas pela comparação das características de ditadores totalitários e autoritários:
Em linhas gerais, no autoritarismo, que não é guiado por ideais utópicos ou ideológicos, há certa distinção entre Estado e sociedade, com tolerância a alguma pluralidade na organização social – como Richard Pipes escreveu: “Num tipo comum de sistema autoritário [...] a elite no poder insiste em monopolizar a autoridade política. Mas, como não há pretensões sobre a propriedade privada, seu poder encontra certos limites naturais e muito exatos. Sob tal sistema, a autoridade política do Estado pode de fato ser absoluta, mas o campo de ação daquilo que constitui a esfera da própria autoridade política é limitado. O Estado não permite ao cidadão que participe do processo legislativo, mas não pode interferir no modo de vida que ele escolheu. O Estado pode prendê-lo por atividades sediciosas, mas não pode despedi-lo de seu emprego (a menos que aconteça ser um funcionário público) ou privá-lo, por outro modo, de seu meio de vida”. O totalitarismo, por sua vez, invade a vida privada e a asfixia, na tentativa ideologicamente orientada de mudar o mundo e a natureza humana. Neste cenário, a única opinião que pode ser proferida sobre alguma coisa é aquela opinião que não ofende o regime. Isso vale, inclusive, para piadas de humoristas. É possível dizer que o totalitarismo é uma versão extremada do autoritarismo. Assim, se o autoritarismo seria um primeiro estágio em direção a uma sociedade totalitária, onde nos encontramos, na atualidade, no Ocidente? E no Brasil?
Eliminando a oposição
No avanço por impor uma sociedade autoritária, um dos objetivos da esquerda será obliterar toda a direita do espectro político-partidário e ideológico. Para tanto, esquerdistas silenciam primeiro os intelectuais “desengajados”, depois os identificados com o conservadorismo e a direita. Essa ação cria um vazio de ideias na guerra cultural, exterminando a presença significativa de defensores do “outro lado”. O lugar que conservadores ocupam na Academia será ocupado por formuladores ideologicamente orientados pela esquerda, com a função de formar os “formadores de opinião”, sobretudo jornalistas, escritores, religiosos e outros. Todos os adversários devem ser rotulados de “direitistas”, “reacionários”, “fascistas”, “elitistas”, “opressores”, “homofóbicos” etc. Agindo assim, a esquerda cria um antagonismo que impede que a sociedade os ouça.
Como Charles Frankel alertou: “Um dos perigos da ideia socialista, de fato, reside precisamente no seu poder de intoxicação moral. Ela apela a inegáveis valores humanos: compaixão pelos que sofrem, uma justa e equitativa partilha dos ônus comuns, um esforço cooperativo que eleve todos a novos níveis de esclarecimento e virtude. Envoltos em seus valores mais altos [...] fica fácil para os socialistas pensar naqueles que discordam como decaídos no plano moral. Uma das regras fundamentais da democracia é que se deve ter o oponente – ou ao menos tratá-lo assim – como fundamentalmente sensato e sincero. Mas os socialistas da espécie ideológica sempre tiveram dificuldades em seguir esta regra, e acabam removendo-se para a periferia da política democrática. E, quando os socialistas genuinamente democráticos aparecem, estes fanáticos os repudiam como desertores da causa”.
Assumindo a hegemonia política e cultural, o espectro político fica restrito à extrema esquerda, à esquerda e à centro-esquerda. E a centro-esquerda torna-se no imaginário popular a extrema direita. Desse modo, as posições de esquerda podem ser percebidas como “de centro” ou moderadas. Todo o sistema partidário passa a ser composto de “linhas auxiliares” do projeto de tomada e permanência no poder por parte da esquerda. É na “estratégia da tesoura”, no aparente combate entre a “direita” e a “extrema esquerda” que se dá o golpe revolucionário na sociedade civil, que visa a implantação do socialismo autoritário – o primeiro passo para o domínio totalitário da sociedade.
E o domínio total da sociedade seria a completa implantação do comunismo. De acordo com Archie Brown, o comunismo, que seria o “estágio mais elevado de socialismo”, o estágio final de desenvolvimento da sociedade – em que as instituições do Estado seriam substituídas por uma sociedade harmoniosa e sem classes, que se autoadministraria – tem as seguintes características definidoras, que podem “ser agrupadas em três pares, relacionando-se, primeiramente ao sistema político; em segundo lugar, ao sistema econômico; e em terceiro, à ideologia”: 1) “o monopólio do poder do partido comunista”, 2) o “centralismo democrático”, por meio do qual o partido tem plena autonomia para tomar qualquer decisão, 3) “a posse não capitalista dos meios de produção”, 4) “o domínio de uma economia de comando, em oposição a uma economia de mercado”, 5) “o propósito declarado de construir o comunismo como objetivo final e legitimador” e 6) “a existência de um Movimento Comunista Internacional e o senso de pertencer a ele”. Desde 1939 não se via declínio da democracia representativa no Ocidente como agora se vê, usurpado, muitas vezes, pelo ativismo judiciário. Será a implantação do comunismo totalitário o futuro do Ocidente?
Diante do anticristo
Nos exercícios espirituais da quaresma de 2007, o papa Bento XVI convidou o arcebispo emérito de Bolonha, o cardeal Giacomo Biffi, para tratar do tema “o senhorio de Cristo sobre o cosmos e a história”. Como introdução ao tema, Biffi analisou um conto sobre o anticristo, do filósofo cristão russo Vladimir Soloviev, que é parte de sua última obra Os três diálogos e o relato do anticristo, publicada originalmente em 1899.
Ele disse na ocasião: “Virão dias, nos disse Soloviev, em que o cristianismo tenderá a reduzir o fundamento da salvação, que não pode ser aceita se não pelo ato difícil, corajoso, concreto e racional da fé, a uma série de ‘valores’ facilmente negociados no mercado mundano. É desse risco que devemos nos proteger. Mesmo se um cristianismo que falasse somente de ‘valores’ amplamente compartilháveis se mostrasse infinitamente mais aceitável ao público, nas congregações sociais e na política, nas transmissões de televisão, não podemos e não devemos renunciar ao cristianismo ‘de Jesus Cristo’, o cristianismo que possui em seu centro o ‘escândalo’ da Cruz e a realidade perturbadora da ressurreição do Senhor. Este perigo – devo acrescentar – na sociedade dos nossos tempos não é puramente hipotético”. E Biffi fez o alerta importante: “Em muitas propostas, em muitas iniciativas, em muitos discursos das nossas comunidades [...] Jesus Cristo é uma desculpa para falar de outra coisa. O Filho de Deus crucificado e ressurgido, único Salvador dos homens, não é ‘transferível’ a uma série de bons projetos e de boas intenções, verificáveis na mentalidade mundana dominante. É uma ‘pedra’, como ele próprio referiu-se à si mesmo – e como nós mesmos raramente temos coragem de repetir –: sobre essa ‘pedra’, ou (crendo) se constrói ou (contrapondo-se) nos esmagamos: ‘[Aquele que tropeçar nesta pedra, far-se-á em pedaços; e aquele sobre quem ela cair será esmagado.]’ (Mt 21,44)”.
Assim, a grande tentação aos quais os cristãos estão expostos no Ocidente, ao mesmo tempo que experimentam uma escalada autoritária, é que “se o cristão, por amor à abertura ao mundo e da boa relação com todos, quase sem perceber dissolve [...] o fato salvífico na exaltação e na realização destes objetivos secundários [o amor ao diálogo e a promoção de valores relativos], então ele se impede de conhecer pessoalmente o Filho de Deus crucificado e ressuscitado, e cai pouco a pouco no pecado da apostasia, e encontra-se ao final ao lado do anticristo”. Pois um mundo que não consegue reconhecer o sobrenatural, um mundo que tenta elevar a humanidade ao mais alto nível sem Deus é um mundo em que o anticristo pode entrar e agir com mais facilidade. E como a tradição cristã tem afirmado desde sempre, “fora de Cristo – pessoa concreta, realidade viva, evento – só há o ‘vazio’ do homem e o seu desespero. Em Cristo, que é o pleroma do Pai, o homem encontra a sua plenitude e a sua única esperança”. Como os cristãos vão lidar com as tensões inerentes à ascensão de uma sociedade anticristã e autoritária ou totalitária no Ocidente?
“Não abandoneis [...] a vossa confiança”
Helmuth James Graf von Moltke era um cristão luterano, e foi membro do Círculo de Kreisau, de resistência ao nacional-socialismo alemão. Por sua oposição ao regime, celebrada em The Restless Conscience: Resistance to Hitler Within Germany 1933–1945, que concorreu ao Oscar de melhor documentário de 1992, ele foi preso pela Gestapo, em 19 de janeiro de 1944. Levado ao tribunal, travou o seguinte diálogo com o juiz-algoz, registrado numa carta escrita na prisão de Tegel para sua esposa, Freya, em 11 de janeiro, pouco antes de sua morte, em 23 de janeiro de 1945, na prisão de Plötzensee, em Berlim: “No decorrer de seus discursos, [o juiz Roland] Freisler me disse: ‘O Nacional-Socialismo assemelha-se ao cristianismo em apenas um aspecto: nós exigimos a totalidade do homem’. Não sei se os outros que estavam sentados ali puderam compreender o que foi dito, pois esse foi o tipo de diálogo travado entre Freisler e eu – um diálogo subentendido, visto que não tive a chance de dizer muita coisa – um diálogo por meio do qual passamos a conhecer um ao outro totalmente. Freisler era o único do grupo que me entendia completamente, e o único que percebia por que deveria me matar... No meu caso, tudo era determinado da forma mais severa. ‘De quem você recebe ordens, do outro mundo ou de Adolf Hitler? Onde você deposita sua lealdade e sua fé?’” Não estaria essa pergunta ligada à luta entre a completa fidelidade que a esquerda exige versus a exclusiva adoração ao único Deus, o verdadeiro soberano e rei, revelado absolutamente no único Salvador e Messias, o Senhor Jesus?
Moltke continuou: “A frase decisiva no processo foi: ‘Herr Conde, o cristianismo e nós, nacional-socialistas, temos apenas uma coisa em comum; uma única coisa: nós reivindicamos a totalidade do homem’. Eu gostaria de saber se ele realmente compreendia o que havia dito ali. [...] Mantive minha posição [...] não como um protestante, não como um proprietário de terras, não como um nobre, não como um prussiano, nem mesmo como um alemão... Nada disso, mantive minha posição como um cristão e nada mais...” Que o bom Deus nos ajude a alcançar tal firmeza diante do mundo, ao custo da própria vida, se necessário. Pois Deus não tolera culto a outros seres ou entes. Somente Deus, o todo-poderoso, cujo Reino já se faz presente em seus sinais por meio do ressurreto e único Senhor, Jesus, o Filho de Deus, é digno, em todo o tempo e circunstância, de todo culto, lealdade, devoção e glória.
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