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Franklin Ferreira

Franklin Ferreira

Religião

Um culto de oração no Pentágono

culto no pentagono
Em primeiro plano, o prédio do Pentágono; ao fundo, destaca-se a cúpula do Capitólio, em Washington. (Foto: Jim Lo Scalzo/EFE/EPA)

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Desde 1º. de agosto estou servindo como interno na Igreja Batista Capitol Hill (CHBC), em Washington, D.C., fundada em 1878. Essa igreja é ligada à Convenção Batista do Sul (SBC), a maior denominação protestante dos Estados Unidos. Depois de passar por um tempo de declínio, a igreja experimentou uma renovação a partir de 1994, quando Mark Dever assumiu o pastorado, após concluir seu doutorado na Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Desde então, a CHBC se tornou conhecida por valorizar a pregação fiel da Escritura, a vida comunitária e o cuidado mútuo entre os membros. A partir dessa revitalização nasceu também o Ministério 9 Marcas, que hoje influencia milhares de pastores e igrejas no mundo todo, enfatizando que uma igreja saudável prega a Palavra, crê no Evangelho, discipula, ora, cultua em comunhão e cumpre a missão de levar as boas novas para o mundo todo.

A ligação com a SBC é especialmente significativa, pois essa denominação reúne uma ampla rede de cooperação entre igrejas locais, seminários e agências missionárias. Com mais de 13 milhões de membros, a SBC mantém o maior programa missionário protestante do mundo, apoiando tanto a evangelização nos Estados Unidos quanto em diversos outros países. A própria Convenção Batista Brasileira (CBB), que hoje reúne cerca de 1,8 milhão de membros, nasceu do esforço missionário da SBC. Estar na CHBC, por sua vez, me proporcionou a oportunidade de participar de um culto de oração no Pentágono.

O centro do poder militar global

O Pentágono é a sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos e um dos edifícios mais conhecidos do mundo. Localizado em Arlington, na Virgínia, ele foi construído durante a Segunda Guerra Mundial para reunir em um só lugar os vários escritórios militares espalhados por Washington. Sua construção começou em 1941 e terminou em 1943, num tempo recorde. Com cinco lados, cinco andares e dezenas de quilômetros de corredores, é considerado o maior prédio administrativo do planeta, onde trabalham mais de 20 mil pessoas, entre militares e civis.

Mais do que apenas um prédio, o Pentágono é o grande centro de comando das forças armadas americanas. Em 11 de setembro de 2001, ele foi alvo de um dos ataques terroristas mais terríveis da história, quando um avião sequestrado por militantes árabes da Al Qaeda atingiu uma de suas alas, matando quase 200 pessoas. O edifício, reconstruído e reforçado, passou a ser também um símbolo de resiliência e determinação. Hoje, qualquer decisão importante de segurança ou defesa que afete os EUA e o mundo passa, de algum modo, pelos corredores do Pentágono.

Para Pete Hegseth, os cultos oferecem encorajamento espiritual e reforçam o senso de propósito daqueles que servem ao país

Um cristão a frente do Pentágono

Após a eleição de Donald Trump em 2024, o veterano de guerra e comentarista Pete Hegseth assumiu o cargo de Secretário de Defesa. Nascido em Minnesota, formou-se em Princeton e serviu na Guarda Nacional de Minnesota, de Nova Jersey e do Distrito de Columbia, além de integrar o 3.º Batalhão, 187.º Regimento de Infantaria da 101.ª Divisão Aerotransportada – unidade célebre pela série Band of Brothers. Atuou em missões no Iraque e no Afeganistão, sendo condecorado com diversas honrarias militares, entre elas a Bronze Star. Após deixar o serviço ativo, destacou-se como defensor dos veteranos, da segurança nacional e dos valores conservadores, conquistando ampla visibilidade como apresentador da Fox News.

Sua nomeação para chefiar o Pentágono representou uma virada decisiva em sua trajetória pessoal. Hegseth deixou de atuar apenas como comentarista político para assumir a responsabilidade de comandar a maior força militar do mundo. A transição chamou atenção dentro e fora dos Estados Unidos, pois ele une experiência de combate a uma visão de país profundamente marcada por sua fé e convicções, sendo membro de uma igreja vinculada à Comunhão de Igrejas Evangélicas Reformadas (CREC). Hegseth fala abertamente sobre como a fé molda sua vida e seu entendimento do serviço público. Sua postura reforça a ligação, presente na história dos Estados Unidos, entre fé, patriotismo e serviço público.

Culto de oração semanal

Nos últimos meses, uma novidade no Pentágono tem chamado a atenção. Hegseth passou a organizar cultos de oração semanais para civis e militares. Convicto de que a fé deve ter espaço na vida pública, ele argumenta que esses encontros oferecem encorajamento espiritual e reforçam o senso de propósito daqueles que servem ao país. Para Hegseth, esses momentos lembram que a defesa nacional não se limita a geopolítica e estratégias militares, mas envolve valores e princípios cristãos que sustentam a nação desde sua fundação.

Tive o privilégio de participar do culto de oração realizado em 13 de agosto, quando Mark Dever foi convidado para pregar. O culto durou uma hora, das 12 às 13 horas. Militares e servidores civis começaram a chegar com meia hora de antecedência, e aproximadamente 250 pessoas se reuniram no espaço reservado para o culto.

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Na abertura do culto, o brigadeiro-general Jack Stumme, vice-chefe de Capelães do Exército dos Estados Unidos, conduziu a invocação. Ele é responsável por acompanhar e orientar capelães que servem soldados e famílias em diferentes partes do mundo. Vinculado à Associação Batista da Liberdade, Stumme destacou em suas palavras iniciais que, mesmo no contexto das forças armadas, a vida espiritual permanece essencial.

Em seguida, o secretário de Defesa Hegseth proferiu palavras de boas-vindas. Ele mencionou os telefonemas de condolência que costuma fazer a familiares de soldados que perderam parentes a serviço da nação. Depois, conduziu a todos na recitação conjunta da “Oração do Comandante”:

Preciso de Ti... Agora, mais do que nunca. Pois vejo quão grande é minha missão e quão limitados são meus recursos. Dá-me sabedoria, eu Te peço.
Quando as demandas me cercarem de todos os lados, dá-me olhos para discernir o essencial do urgente, o que é fundamental do que é passageiro. Dá-me sabedoria, eu Te peço.
Quando meu coração desejar a amizade dos meus soldados, concede-me coragem para conquistar seu respeito e lealdade. Dá-me sabedoria, eu Te peço.
Quando o tempo e as tarefas puxarem em direções opostas, dá-me clareza para enxergar o caminho e paz para acalmar aqueles ao meu redor. Dá-me sabedoria, eu Te peço.
Quando o cansaço e o estresse colocarem qualquer padrão à prova, use-me para elevar o nível, não para rebaixá-lo; para vencer, não para sucumbir. Dá-me sabedoria, eu Te peço.
Quando decisões precisarem ser tomadas, que minhas ações reflitam minhas palavras. Lembra-me sempre: “A velocidade do líder é a velocidade da equipe”. Dá-me sabedoria, eu Te peço.
Quando minha autoridade for provada, ensina-me quando levantar a voz e quando suavizá-la; quando usar a recompensa e quando aplicar a disciplina. Dá-me sabedoria, eu Te peço.
Quando meu tempo nesta terra terminar, que eu seja lembrado como um líder que encorajou, não desanimou; que edificou, e não destruiu. Dá-me sabedoria, eu Te peço.
Na vitória, mantém-me humilde; na derrota, afasta-me do desespero. Suprirás minhas fraquezas e ampliarás minhas forças. Molda-me para ser quem Tu queres que eu seja. Dá-me sabedoria, eu Te peço.
E, acima de tudo, guarda meus soldados com Tua proteção. Guia-os, protege-os, cuida deles.
Assim como Tu deste tudo de Ti por mim, ajuda-me a dar tudo de mim por eles. Em Teu Santo Nome, eu oro. Amém.

O sermão de Dever foi um chamado para que cada cristão examine sua própria vida, escolha o caminho estreito que leva à vida e siga líderes que produzam frutos genuínos

Logo após a oração, Dever foi apresentado por Hegseth e pregou. No sermão, intitulado “Provas de lealdade”, ele abordou a importância da fidelidade a Deus e como ela se manifesta nas escolhas do dia a dia. Ele começou lembrando que, desde os primeiros dias da história americana, a questão da lealdade sempre foi central. Durante a Revolução, muitos colonos estavam divididos entre apoiar a independência ou permanecer fiéis à Coroa britânica; em 1780, enquanto 9 mil patriotas serviam no exército de George Washington, cerca de 8 mil realistas lutavam pelo exército britânico. Assim como na história da nação, a lealdade é também um tema vital na vida espiritual.

Dever destacou que Jesus, no Sermão da Montanha, chama seus ouvintes a refletir cuidadosamente sobre a lealdade a Deus, mostrando como muitas pessoas confiam em sinais falsos de segurança religiosa. O primeiro engano que ele apontou é a tendência de seguir o que todos estão fazendo. Em Mateus 7,13-14, Jesus fala sobre a porta larga e a estreita: a porta larga é fácil de percorrer e leva à destruição, por isso muitas pessoas a escolhem; a porta estreita leva à vida, mas poucos a encontram. Dever explicou que essa passagem nos lembra que o caminho fácil e popular nem sempre é o caminho certo. Em um mundo moderno, onde redes sociais reforçam a busca por aprovação e popularidade, a advertência de Jesus continua atual: ser fiel a Deus exige coragem para seguir o caminho estreito.

O segundo engano, conforme Dever destacou, é confiar cegamente em líderes religiosos sem avaliar suas vidas e ensinamentos. Em Mateus 7,15-20, Jesus alerta sobre falsos profetas que se apresentam como cordeiros, mas são lobos por dentro. Dever ressaltou que devemos julgar os líderes pelo fruto que produzem: um bom líder gera frutos verdadeiros, como cuidado pastoral, pregação fiel e coerência de vida; líderes corruptos prometem caminhos fáceis e agradáveis, mas conduzem à destruição. Jesus nos chama a testar todos os espíritos, conferindo se o ensino está de acordo com a Escritura e com a obra de Cristo.

Por fim, Dever enfatizou que a lealdade verdadeira também envolve reconhecer a autoridade de Jesus Cristo. Ele veio para servir e dar a vida como resgate, oferecendo salvação a todos que creem. O sermão lembra que não devemos buscar consolo em promessas fáceis ou em líderes que apenas agradam, mas confiar na Palavra de Deus, que confronta, transforma e salva. Aqueles que perseveram na fé encontrarão a recompensa eterna: “Vinde, benditos de meu Pai, e possuí o reino preparado desde a fundação do mundo” (Mt 25,34).

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Em resumo, o sermão foi um chamado para que cada cristão examine sua própria vida, escolha o caminho estreito que leva à vida e siga líderes que produzam frutos genuínos, confiando sempre na autoridade e na promessa de Cristo.

Após o sermão foram cantados dois hinos tradicionais: Santo, Santo, Santo e Em Jesus amigo temos, e a congregação foi despedida com a bênção apostólica e o canto da doxologia:

Louvado seja Deus, de quem vêm todas as bênçãos;
Louvai-O, todas as criaturas aqui na terra;
Louvai-O acima, ó exércitos celestiais;
Louvai ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Amém.

Ao fim do culto, formou-se uma longa fila de militares e servidores civis para cumprimentar o secretário de Defesa e orar por ele. Todos na fila foram pacientemente atendidos por Hegseth.

Cultos de oração no Pentágono e em outros espaços públicos lembram que a fé cristã ainda pode iluminar o debate cívico, fortalecer a ética e oferecer coragem e propósito

Uma antiga tradição

Nos Estados Unidos, a tradição de cultos em espaços públicos remonta aos primeiros colonos, especialmente puritanos e demais protestantes reformados do século 17. Eles viam a pregação e a adoração nesses locais como forma de edificar a comunidade e reforçar valores morais compartilhados pela jovem nação. Durante os séculos 18 e 19, esses eventos se tornaram comuns em cidades e capitólios estaduais, frequentemente ligados a grandes celebrações nacionais ou datas patrióticas, combinando fé e identidade cívica.

A partir da metade do século 20, o crescimento da diversidade religiosa e interpretações rígidas da separação entre Igreja e Estado levaram ao fim dos cultos públicos promovidos por órgãos governamentais. O que antes era expressão natural de fé e orientação moral passou a ser visto como possível violação da Primeira Emenda. Como consequência, a secularização intensificou-se, promovendo um esvaziamento moral e espiritual da sociedade e enfraquecendo os princípios que antes guiavam o espaço cívico nos Estados Unidos.

Provavelmente, o capelão protestante mais famoso do Senado dos Estados Unidos foi Peter Marshall. Ele serviu como pastor da Igreja Presbiteriana New York Avenue, em Washington, D.C., frequentada por Abraham Lincoln. Em 1947, foi nomeado capelão do Senado, cargo que ocupou até sua morte prematura, em 1949. Durante seu curto período no Senado, Marshall destacou-se por suas orações e pela habilidade de relacionar as Escrituras aos desafios políticos de sua época. Também foi autor do livro A Man Called Peter, que ganhou adaptação cinematográfica em 1955. Marshall simboliza uma época em que pastores cristãos desempenhavam papel ativo nos espaços públicos, orientando e inspirando políticos e cidadãos por meio da Palavra. Hoje, essa prática é rara, e muitos sentem falta de vozes firmes e piedosas como a dele.

Nos últimos anos, essa tradição tem renascido, guiada por líderes cristãos e políticos conservadores que veem na expressão pública da fé a alma da identidade americana. Orar e celebrar cultos em capitólios estaduais e nacionais vai além de um gesto histórico: é uma afirmação do cristianismo, e dos valores conservadores, do patriotismo e da solidariedade comunitária. Cultos de oração no Pentágono e em outros espaços públicos lembram que a fé cristã ainda pode iluminar o debate cívico, fortalecer a ética e oferecer coragem e propósito, mostrando que, mesmo em tempos de secularização, a espiritualidade cristã pode permanecer no cerne da vida pública.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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