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Gabriel Sestrem

Gabriel Sestrem

Solidão

Ela pediu ajuda por anos, ninguém ouviu e o pior aconteceu. Um alerta para pais e mães

Solidão e depressão filhos
A solidão crônica não “aparece do nada”. Pais e mães têm uma influência enorme para evitar sofrimento emocional intenso dos filhos (Foto: Whisk Google)

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A solidão crônica de adolescentes e jovens no começo da idade adulta é uma dor silenciosa e perigosa, e muitos pais acabam permitindo que os filhos sejam dominados por ela sem perceber ou sem saber como agir.

Na última semana, recebi em um grupo de WhatsApp a notícia de que uma jovem de cerca de 20 anos tinha falecido em casa. Eu não a conhecia, mas já a tinha visto, e por alguma razão imaginei que ela tivesse tirado a própria vida, o que acabou se confirmando.

Aquela notícia me entristeceu. Ninguém chega a esse ponto de um dia para o outro; é resultado de sinais que foram dados sem ninguém ter percebido, ou que foram percebidos, mas não houve reação suficiente.

Decidi procurar pelo nome dela na rede social X, que desde a época que se chamava Twitter costuma ser muito usada por jovens e adolescentes para desabafar e compartilhar angústias anonimamente.

É importante dizer que a revolução do uso de celulares fez com que as novas gerações lidassem com dificuldades de socialização muito maiores a ponto de haver uma tendência global de desabafos anônimos on-line. Mas no caso daquela jovem, ela estava ali, com seu nome e sua foto, contando cada episódio da luta que travava.

Há anos ela publicava mensagens que revelavam solidão crônica, exaustão emocional e intenção de suicídio. Lendo algumas das publicações me pareceu claro que estava à beira de um colapso. Mas a solidão também a acompanhava na rede social: até nas duras mensagens sobre a intenção de tirar a própria vida não houve nenhum comentário, nenhum apoio.  

E, nas entrelinhas de alguns textos, a constatação de problemas familiares: ela deixava claro que o distanciamento físico e emocional dos pais havia deixado uma ferida aberta, que foi inflamando progressivamente.

Amor e presença dos pais se tornaram um luxo de poucos

Na maioria das vezes, a solidão crônica é construída ao longo da vida a partir de uma série de acontecimentos e, principalmente, omissões. A boa notícia é que os pais têm uma influência preventiva enorme desde os primeiros meses até a vida adulta dos filhos.

E aqui é importante dizer que duas palavras são inegociáveis quando se fala em criação de filhos: amor e presença. São coisas simples, mas que inevitavelmente vão consumir seu tempo e é possível que mexam com falsas crenças sobre o que é amor paterno e materno.

A vida de um pai e de uma mãe precisa mudar significativamente quando nasce um filho. Se não mudar – e se você não sentir as “dores do crescimento” de ter se tornado pai –, algo está errado.

Amor e presença são investimentos poderosos, mas difíceis de fazer. Envolvem, por exemplo, ter menos tempo livre, mudar prioridades relacionadas ao dinheiro e lidar com eventuais dificuldades de expressar afeto e muitas vezes com frustração por não saber ao certo dar o que não recebeu.

Por mais desafiadores que sejam, são investimentos determinantes para que lá na frente os filhos colham benefícios socioemocionais que vão acompanhá-los por toda a vida.

O “eu te amo” dito consistentemente na primeira infância, até os 5 anos, pode evitar um suicídio na idade adulta. A presença atenta, paciente e amorosa ao longo da adolescência é um antídoto contra o desespero da adaptação à idade adulta. Um simples “estou aqui quando quiser conversar” ou “vamos tomar um café juntos amanhã?” a um filho adulto pode evitar antidepressivos, ansiolíticos e crises de pânico.

Tudo isso tem a ver com amor e presença, mas infelizmente o sentir-se amado se tornou um luxo de poucos. E assim, o egoísmo e a imaturidade de alguns pais, que veem os filhos como empecilhos que vieram para lhes tirar tempo e dinheiro, acabam deixando crianças e jovens à deriva, vulneráveis a uma vida de solidão e carência afetiva.

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A solidão crônica raramente “aparece do nada”

Um relatório da Comissão sobre Conexão Social da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicado em julho mostrou que uma em cada seis pessoas no mundo é afetada pela solidão, com impactos diversos na saúde. A solidão crônica, segundo o relatório, está associada a aproximadamente 100 mortes por hora, ultrapassando 870 mil óbitos todos os anos.

Mas ela raramente “aparece do nada” – sempre há sinais. Tristeza persistente sem causa clara, irritabilidade excessiva, isolamento progressivo, sentimento de inadequação... Tudo isso pode ser normal e passageiro, mas quando persiste por mais de três meses e, principalmente, vem acompanhado de ansiedade, depressão ou retraimento extremo, pode sinalizar que há uma dor emocional mais complexa.

E há muito que os pais podem fazer quanto a isso, seja apenas ouvindo, estando presentes fisicamente (às vezes basta ficar junto, mesmo em silêncio); fazendo-os se sentirem amados e úteis e, em alguns casos, ajudando-os a buscar ajuda profissional.

Mas é impossível perceber tudo isso quando não se está por perto. A jovem que perdeu a vida e motivou esse artigo estava sozinha em casa no momento em que faleceu, imersa em uma vulnerabilidade emocional extrema e sem nenhum apoio.

A verdade é que a maioria dos pais não sabe o poder que tem nas mãos. Mas se omissão e negligência podem gerar danos às vezes irreversíveis, a presença amorosa de pais e mães que entenderam seu papel é uma benção sem tamanho. Faça sua parte!

** Se você ou alguém que conhece está enfrentando sofrimento emocional intenso, o Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio gratuito e sigiloso. Lá, há voluntários disponíveis 24 horas por dia para atender pelo telefone 188 ou via chat pelo site cvv.org.br.

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