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A semana começou com discussões e análises sobre o que foram as manifestações da “esquerda” no domingo. Vamos observar o caso do Rio de Janeiro, onde as manifestações ocorreram em torno de um show na praia de Copacabana. É possível classificar isso como um ato “esquerdista”?
Os que se acostumaram (com razão) a identificar na “esquerda” um cardápio com os piores predicados da política dirão que sim: o ato em Copacabana foi “esquerdista”: defesa do autoritarismo disfarçado de democracia, complacência com políticos corruptos, vista grossa para aliados ditatoriais etc. O cardápio associado por muitos ao conceito de “esquerda” estava todo lá.
O problema é que, para muita gente de boa-fé (muita mesmo), “esquerda” quer dizer outra coisa. É tudo muito vago e superficial nesse terreno conceitual-ideológico, mas, como ele é cada vez mais dominante, é preciso tratá-lo. E notar que muitos entendem “esquerda” como os que combatem a “direita”. Ponto. (Sim, é sofrível, tacanho, primário… mas é fato.)
E o que é a “direita”, nesse enredo precário, mas muito disseminado? “Direita” é a propensão autoritária, a tentação antidemocrática. Não perca seu tempo dizendo que não é; poupe seu tempo constatando que o senso comum não é o que parece mais claro e razoável. Ele é o que é.
Para milhões de pessoas que não são “esquerdopatas” ou a “esquerdalha” — ou seja, pessoas comuns sem militância — a ideia de “direita” está associada a autoritarismos como o do AI-5 ou a regimes totalitários, como o de Benito Mussolini. Você pode discordar frontalmente dessas conexões. Só não pode decidir que elas não estão presentes em parte da opinião pública — repetindo: não aquela parte comprometida com esse discurso.
E por que esse tipo de associação entre “direita” e autoritarismo existe entre pessoas comuns, portanto insuspeitas? Porque aparece dessa forma em livros, em registros históricos e jornalísticos, filmes etc., e não só nos mais desonestos. Resumindo: os conceitos de “direita” e “esquerda” são, no mínimo, problemáticos como demarcação de identidade política — pelo simples fato de que são entendidos de formas variadas pela população.
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Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque convocaram as manifestações em Copacabana contra a “PEC da bandidagem”. O Brasil conviveu muitos anos com a bandidagem do Petrolão, e hoje convive com a reabilitação dos condenados nesse escândalo. Não houve show de música contra a maior roubalheira da história, nem há show marcado contra o escândalo bilionário do INSS que vitimou os brasileiros mais vulneráveis. Há algum concerto previsto contra a brutalidade de Maduro e suas conexões brasileiras? Não. Os shows são e serão todos contra “a direita” — com os pretextos que estiverem à mão.
No dia em que o Brasil se libertar desse Fla-Flu conceitual, os hipócritas estarão nus. Para isso, basta começar a chamar as coisas pelos seus nomes. Vão aqui algumas dicas: corrupção se chama corrupção; censura se chama censura; abuso de poder se chama abuso de poder; violência se chama violência; liberdade se chama liberdade.
Quando os oportunistas sem causa não tiverem mais um nome esperto para dar ao seu inimigo imaginário, vai ficar bem mais difícil defender o indefensável com ar revolucionário.





