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Uma pesquisa estranha apareceu em manchetes recentes. Comparava Estados Unidos e China segundo a percepção dos brasileiros. Era mais uma notícia mal-ajambrada, sugerindo preferências duvidosas.
Na matéria em questão, atribuída a um desses institutos que fazem pesquisas de opinião na área política, o resultado divulgado foi de que metade dos brasileiros considera os EUA mais autoritários que a China. Será que metade dos brasileiros ignora que os EUA sejam uma democracia e a China seja uma ditadura?
Pouco provável. A China é uma ditadura há muito tempo, e o fato de que os direitos individuais no país estão condicionados às conveniências do partido governante é amplamente conhecido pela sociedade brasileira. Aliás, falar em partido governante na China é uma imprecisão. O partido é o próprio regime.
Será que metade dos brasileiros acha que isso não é uma forma nítida de autoritarismo? Difícil. Será que metade ignora que os norte-americanos escolhem seu governante regularmente em eleições livres, diferentemente do que acontece na China? Mais difícil ainda. Será que metade dos brasileiros tem a ilusão de que os chineses têm livre acesso às redes sociais? Muito pouco provável.
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Mas vamos admitir que, na era da comunicação total, esse nível avançado de ignorância ainda seja possível. Nesse caso, a notícia não seria de que metade dos brasileiros considera os EUA mais autoritários que a China.
A notícia seria de que metade ignora que a China é mais autoritária que os Estados Unidos. Certo? Porque, mesmo com toda boa vontade do mundo, não se pode cogitar que um grande veículo de comunicação e um grande instituto de pesquisa ignorem os regimes vigentes nos dois países citados.
Mas, se não ignoram que o regime chinês é autoritário e que o regime norte-americano não é autoritário, e mesmo assim noticiaram da forma citada, onde está o problema? Fica a reflexão.
Seria possível que a imprensa tradicional estivesse disposta a cultivar uma narrativa em que a China seja o bem e os EUA o mal, para bajular os atuais donos do poder no Brasil? Fica também essa reflexão. Com uma observação introdutória: se a intenção for inventar uma história convincente, melhor procurar um enredo mais verossímil.
O Reino Unido foi palco de uma manifestação gigantesca no fim de semana. Os ingleses foram às ruas pedindo a Inglaterra de volta. Literalmente. E o noticiário do que se chamava grande imprensa mais uma vez distorceu tudo, tentando atribuir a colossal manifestação pacífica da população a uma facção radical. E, para dar verossimilhança a essa abordagem torta, ainda tentou reduzir a dimensão do ato (“100 mil pessoas”…).
Será que os jornalistas que se prestam a essas acrobacias arrojadas acham que nunca serão cobrados pela história?





