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Marcelo de Arruda, guarda municipal há 28 anos e tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, que morreu no domingo (10).
Marcelo de Arruda, guarda municipal há 28 anos e tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, que morreu no domingo (10).| Foto: Reprodução/Facebook

Ideias têm consequências. Palavras também. Na noite do último sábado (9), o guarda municipal Marcelo Arruda foi assassinado durante seu aniversário. Integrante do PT, fazia festa temática em alusão ao partido e ao ex-presidente Lula quando a celebração foi interrompida pelo policial penal bolsonarista Jorge Guaranho. Após uma discussão em frente ao local, Guaranho retornou armado e disparou contra a vítima, que reagiu e também o acertou. Ferido, o autor do crime foi levado para o hospital. Arruda jazeu junto aos seus familiares, numa noite em que nossa democracia também foi alvejada pela saraivada de balas resultante da intolerância política que vem sendo alimentada no país.

Após o crime em Foz do Iguaçu, o presidente Jair Bolsonaro foi cobrado por uma jornalista sobre o que disse em 2018 no Acre. Segurando um tripé de câmera como se fosse uma arma, o então candidato à presidência conclamou sua militância: “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre, hein? Vamos botar esses picaretas para correr do Acre”. Poucos dias depois, em Juiz de Fora (MG), ele mesmo foi alvo de um atentado, ao ser esfaqueado por Adélio Bispo.

Nossa democracia também foi alvejada pela saraivada de balas resultante da intolerância política que vem sendo alimentada no país.

O presidente tentou justificar o teor de seu discurso à época dizendo que se tratava de “sentido figurado”. Mas é exatamente esse tipo de mensagem que acaba servindo de incitamento para ação dos agentes radicalizados, que, na ponta, acabam traduzindo a retórica em violência prática. Em março de 2021, na Bahia, o soldado Wesley Soares, em meio a um surto, atirou em colegas de farda alegando defender “a dignidade e honra do trabalhador” contra as políticas de distanciamento social. Sua ação foi celebrada como heroica por líderes governistas.

Em sua última live semanal, o mandatário voltou a usar linguagem genérica: “Não preciso dizer o que estou pensando, mas você sabe o que está em jogo. Você sabe como você deve se preparar, não para o novo Capitólio, ninguém quer invadir nada, mas sabemos o que temos que fazer antes das eleições?”.

O que estaria em jogo? O que deve ser feito antes das eleições? Como a fala é propositalmente imprecisa, ainda que direta, sua interpretação é livre. Está excluído que alguém, dentro de uma massa mobilizada, depreenda dela um incentivo para tomar algum tipo de ação extremada? Alguém poderá argumentar que Bolsonaro não pode controlar a interpretação que será feita por quem recebe a mensagem. E é esse o problema.

No mesmo dia em que ocorreria o assassinato de Arruda, Lula cumprimentou um ex-vereador petista por não “permitir que um cara ficasse me xingando na porta do instituto". Se referia ao episódio em que Manoel Eduardo Marinho, integrante do PT, empurrou contra um caminhão um homem que protestava em frente à entidade ligada ao ex-presidente. A agressão o fez ser preso por tentativa de homicídio. No passado, José Dirceu chegou dizer que a oposição ao petismo deveria apanhar “nas ruas e nas urnas”. Dias após, convalescendo de câncer, Mario Covas foi agredido a cadeiradas em um protesto. Como se nota, é longo o caminho da violência política até chegar na festa de aniversário em Foz do Iguaçu.

Marcelo Arruda está morto. Eis a barbárie em sentido explícito, não figurado. Para quem temia que o Brasil reprisasse as cenas vistas na invasão do Capitólio, que resultou também em uma morte, eis a nossa tragédia materializada ainda antes da eleição. Ainda que a culpa penal seja exclusivamente de Guaranho, não se pode ignorar a responsabilidade política, que é também das lideranças que alimentaram esse contexto, e que podem fazer de nosso processo eleitoral um verdadeiro banho de sangue.

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