
Ouça este conteúdo
O senador Espiridião Amim tem a pretensão de ser o parteiro de uma nova versão do voto impresso. Emplacou uma emenda no contexto da votação do texto do Código Eleitoral, obtendo 14 votos a favor de sua proposição na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal. O parlamentar, obviamente, só pretende atender sua base política, já que os mais variados levantamentos demonstram sólido apoio da população ao sistema digital de votação. Uma pesquisa de 2022 do Instituto Datafolha mostrou que 82% dos entrevistados confiam nas urnas eletrônicas. Segundo Amim, “não basta a urna ser segura, ela precisa parecer segura e transparente para o cidadão comum”. Seu argumento é tão prosaico quanto batido. Já a proposta, sob a justificativa de buscar transparência, é eivada de perigos.
Não há nada mais próximo de um lupanar do que uma mesa de apuração eleitoral. Ao longo da história da República brasileira, foram nelas que, pelo coronelismo e pela lei do mais forte, se manipularam resultados de incontáveis eleições. Um processo facilmente fraudável que começava desde muito antes da votação, quando urnas de lona eram carregadas já com votos preenchidos para a sessão eleitoral. Ou até mesmo trocadas após o encerramento do pleito. É claro que não é exatamente esse o cenário que se busca revisitar ao reintroduzir o voto impresso, mas é nele que se fia uma falsa sensação de credibilidade, como se a versão em papel fosse a garantia suprema de auditabilidade.
A criação de um registro paralelo de votos dará margem não para a recontagem ou para a segurança, e sim para a suspeição interminável e a óbvia judicialização. Isso porque, considerando a facilidade de manipulação dos votos físicos, seria muito fácil, na recontagem manual, produzir um resultado diverso do número obtido através da apuração digital. E daí a pergunta: o voto físico, historicamente manipulável, será o verificador último do resultado de um processo eletrônico que jamais teve registro de fraude? Do contrário, valendo sempre o resultado digital, se inverte a pergunta: qual então seria a serventia da contagem física?
A verdade é que o tal voto “impresso e auditável” virou verdadeiro totem para um segmento de nossa política
Só num ambiente político absolutamente estéril é que a defesa do voto digital seja confundida com uma pauta ideológica. Como se a esquerda tivesse alguma vantagem comprovada no processo. Do contrário, Bolsonaro não teria sido eleito em 2018, expressivas bancadas de deputados e senadores conservadores não teriam sido eleitos em 2022, muito menos se daria o avanço de tantos partidos de direita nas eleições de 2024 para prefeituras e Câmaras de Vereadores.
A verdade é que o tal voto “impresso e auditável” virou verdadeiro totem para um segmento de nossa política. As mentiras sobre o sistema de votação, diga-se, valeram a elegibilidade de Jair Bolsonaro, que achou prudente reunir embaixadores em espaço público para tentar desmoralizar a Justiça Eleitoral tendo como fonte as denúncias de um astrólogo conhecido por fazer acupuntura em árvores. Até de sala secreta já se falou. Como se o presidente do país fosse escolhido por um bando de burocratas a serviço de poderes escondidos nas sombras. Conspiracionismo puro e simples.
Alegando buscar a “pacificação”, Amin pavimenta o caminho da bagunça. E há quem esteja de olho nos efeitos de sua emenda com vistas a 2026. E não por existir qualquer viabilidade técnica de implementar o modelo em prazo tão curto de tempo, mas porque uma das agendas políticas do próximo ano será questionar o resultado da eleição presidencial. O avanço do voto impresso é só mais um atraso.




