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É impensável imaginar o Mark Milley, chefe do estado-maior das Forças Armadas dos EUA, e, portanto, o comandante militar mais poderoso do mundo, enviando um questionário sobre a segurança das eleições americanas para os comitês dos partidos Republicano e Democrata. Isso porque, nos Estados Unidos, as Forças Armadas sabem que seu papel é servir à sociedade por meio da obediência à lei e aos poderes constituídos. Não é função delas contar votos, assim como em nenhuma democracia séria. Cuidam das fronteiras e dão segurança à nação. No Brasil, por outro lado, há em curso uma tentativa de tutela militar sobre as eleições, com generais se arrogando o papel de corregedores das instituições civis. Nada mais pernicioso ao regime de liberdades públicas.

O presidente Jair Bolsonaro tem empreendido uma campanha de difamação contra as urnas eletrônicas. Como se, ao longo de décadas, os integrantes do Tribunal Superior Eleitoral estivessem a manipular o resultado das votações numa vasta operação capaz de rivalizar com a imaginação dos maiores romancistas de espionagem. Que um capitão reformado por insubordinação se preste a esse papel não surpreende. O problema é ter oficiais de alta patente da ativa dando sustentação ao seu discurso subversivo, ainda que com ares de tecnicismo.

Nessa semana, o TSE tornou públicas as respostas que deu a um conjunto de recomendações de segurança formuladas pelo Ministério da Defesa para o processo de apuração dos votos. Em 2021, as Forças Armadas foram convidadas pelo então presidente da Corte, Ministro Luis Roberto Barroso, para que tomassem parte como integrantes do Conselho de Transparência das Eleições (CTE). A ideia do magistrado era, de boa fé, dar resposta aos ataques que o presidente da República já fazia ao sistema eleitoral.

As sugestões do Ministério da Defesa respondidas pela Justiça Eleitoral são reveladoras em seu primarismo. Erros de premissa, de calculo amostral, de incompreensão das ferramentas de auditagem já instituídas e também da própria forma como a apuração dos votos é feita no país desde 2002. Difícil acreditar que nenhum integrante da pasta tenha se dado ao trabalho de ler as resoluções de segurança do TSE.

O Comitê de Transparência se converteu em tribuna para a oficialização de teorias conspiratórias que circulam no esgoto das redes sociais. Barroso cometeu um erro crasso, um ato de ingenuidade que agora cobra seu preço. A participação dos militares no órgão acabou contribuindo menos para esclarecimentos e aprimoramentos e mais para causar tumulto, alimentando o estado permanente de suspeição contra o poder Judiciário, que é exatamente o que Bolsonaro queria.

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