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Ciro Gomes andava desaparecido do noticiário. Onde estava? Não havia dado qualquer declaração desde a eclosão da denúncia de descontos ilegais na folha de pagamento de aposentados e pensionistas no INSS. A última vez que ficou em silêncio por tanto tempo foi em 2018, quando se mandou para Paris durante o segundo-turno da eleição presidencial. Agora ele finalmente reaparece. Indignado, como é de praxe, mas não exatamente com a roubalheira no contracheque dos idosos, e sim com a suposta fritura de Carlos Lupi, seu histórico aliado político. Coitadinho dele.
Para Ciro, Lupi, agora ex-ministro da Previdência, “é um homem sério” e “de vida simples”. “Qual é a culpa do Lupi se não uma responsabilidade remota, que cabe ao Lula, política, não dolosa e tal?”, disse para jornalistas. “Remota”? Foi o próprio Lupi, já no dia da operação, que afirmou a indicação de Alessandro Estefanutto, afastado pela Justiça por suposta participação no esquema, como sendo de sua “inteira responsabilidade”. Já ali sobrepesava não uma responsabilidade “remota”, como contemporiza Ciro, mas direta. Estefanutto, afinal, era escolha política de Lupi e um quadro do PDT.
É possível considerar “remota” a responsabilidade de um agente público que fica inerte ante uma denúncia de corrupção lesando milhares de pessoas? Ainda mais considerando que, sendo ele ministro, poderia agir imediatamente para interromper o desvio bilionário?
O problema de Lupi vai além da responsabilidade eminentemente política, que, por si, não pode ser considerada desprezível. Ela também se deve ao que se pode caracterizar como omissão. Segundo a apuração jornalística, Lupi sabia o que se passava no INSS desde pelo menos 2023 quando teria sido alertado por uma conselheira do órgão que muitas denúncias de descontos estavam sendo feitas. A informação consta de ata oficial do próprio INSS.
É possível considerar “remota” a responsabilidade de um agente público que fica inerte ante uma denúncia de corrupção lesando milhares de pessoas? Ainda mais considerando que, sendo ele ministro, poderia agir imediatamente para interromper o desvio bilionário? Tal inação costeia o alambrado da prevaricação, para ficar com uma frase clássica de Leonel de Moura Brizola fundador do PDT. E prevaricação, como se sabe, também é crime.
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Lula não errou ao demitir Carlos Lupi. Errou ao demorar demais para fazê-lo, e também ao nomear para seu lugar outro quadro do PDT que também estava na mesma reunião fatídica em que se tentou pautar as denúncias de irregularidades no INSS. Não bastasse isso, Wolney Queiroz, novo titular da pasta, também votou no Congresso projetos que afrouxaram as regras para permitir descontos. Jamais poderia ser considerado para a função.
O que será que Ciro Gomes diria se o ministro da Previdência em questão fosse do PT, do PL ou do MDB? Há uma longa lista de adjetivos nada abonadores que ele já usou para descrever Lula, Jair Bolsonaro, Michel Temer e muitos de seus colaboradores. Como o foco da crise é a atuação de um aliado seu, prefere terceirizar responsabilidades e eleger culpados mais convenientes. Ao passar pano para seu companheiro de partido, Ciro naufraga na demagogia dissimulada que sempre apontou nos adversários e inimigos políticos.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos




