Quase sempre, valores morais são tomados pela imprensa como “assuntos de bolha”. É um erro crasso de avaliação. Na bolha estão certos jornalistas, que ignoram ou desprezam solenemente a importância que esses temas têm para o conjunto da maior parte da população brasileira. E eles estão aí, dando o tom da campanha eleitoral. Jair Bolsonaro sempre soube disso e explora com naturalidade questões como aborto, liberação de armas, liberdade religiosa e família. Atraiu Lula para a discussão, pautando o segundo turno inteiro no campo em que construiu sua carreira política e na qual o PT tem enormes dificuldades, principalmente por sua agenda progressista nos costumes.
Na última semana, a campanha do petista precisou divulgar inclusive um manifesto aos evangélicos. No documento Lula assinala que “nunca houve qualquer risco ao funcionamento das igrejas enquanto fui presidente”. Ressalta que “com a prosperidade que ajudamos a construir, foi no nosso governo que as igrejas mais cresceram, principalmente as evangélicas, sem qualquer impedimento, e até tiveram condições de enviar missionários para outros países”.
Enquanto Lula precisa se explicar, o bolsonarismo aprofunda a mobilização entre os religiosos.
O esforço parece ser em vão. No dia em que lançou a carta, o candidato do PT desmentiu que pretenderia, caso voltasse ao poder, instituir banheiros unissex pelo país. Respondeu citando sua própria família e afirmou que o boato “só pode ter saído de satanás”.
Enquanto Lula precisa se explicar, o bolsonarismo aprofunda a mobilização entre os religiosos. No último dia 19, o deputado federal eleito Nikolas Ferreira reuniu lideranças de 800 igrejas procedentes de mais de 200 cidades de Minas Gerais. Aproveitou a ocasião para fustigar o documento petista: “Lula era abortista, agora não é. As pessoas não caem mais nisso”, disse. Eventos como esse se multiplicam, transformando pastores em cabos eleitorais e certos cultos em verdadeiros comícios.
Tal é a incapacidade do petismo em produzir uma resposta efetiva que pouco soube explorar o acintoso vilipêndio produzido por bolsonaristas no Santuário de Aparecida, em que apoiadores do atual presidente intimidaram jornalistas com gritos e vaiaram até o missionário que realizava a celebração.
E isso acontece porque, no curso da posição do PT em assuntos como liberação das drogas, aborto e políticas de gênero, o partido se afastou de um eleitorado que ganhou força e representação política. Lula não conseguiu construir vasos comunicantes com esse segmento da população, e nem parece que vá ter sucesso. As investidas feitas por sua campanha em prol de uma aproximação são vistas como falsas. Já seus ataques a Bolsonaro, ineficazes. E isso fica claro com a aproximação no limite do empate entre os dois mesmo nas contestadas pesquisas eleitorais.
Em 11 de outubro, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil divulgou nota condenando “a intensificação da exploração da fé e da religião como caminho para angariar votos no segundo turno”. Na eleição do Padre Kelmon, imaginar que isso não aconteceria é pura ingenuidade. Lula subestimou a capacidade de seu concorrente em se projetar e construir o clima de virada instrumentalizando a fé como meio de alcançar a reeleição.
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