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Quem controla os livros didáticos controla a mente das futuras gerações
| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Dando andamento à minha resumidíssima preleção sobre os componentes essenciais de uma política educacional efetiva, segue o artigo sobre o componente livros didáticos.

Antes de seguir, relembro aos leitores que os quatro elementos estruturantes de uma política educacional que se pretende eficaz são: currículo, livros/materiais didáticos, avaliação e formação docente. Assim, depois de se estabelecer o que vai ser ensinado por meio de um currículo, o passo seguinte é escolher como vai ocorrer a aprendizagem. O como é a famosa didática: apresentar conceitos, formulações, algoritmos e tarefas de cada disciplina para o ambiente de ensino. A didática não sai da cabeça brilhante de um professor quando ele entra em sala de aula, mas do suor da testa de seus colegas com larga experiência tanto nos cânones, princípios e concepções de Língua Portuguesa, Matemática, etc., quanto na maneira de apresentá-los e na competência das atividades que o aluno deverá performar a cada faixa escolar para que escolas, famílias e os próprios alunos tenham certeza de que aprenderam o esperado. Os professores, depois de muito aprenderem com livros didáticos e docentes mais experientes, passam a dominar essa arte.

Uma política - ou prática efetiva de ensino, pois essa receita se aplica a qualquer lógica de ensino, incluindo o doméstico - precisa dar conta do óbvio: o objetivo de aprendizagem listado no currículo é exatamente o mesmo que será testado na avaliação (tema do meu próximo artigo). Se eu digo que um aluno de 2o ano vai saber "somar e subtrair frações iguais dentro de um mesmo inteiro, com seus denominadores não excedendo 12", preciso garantir que haverá uma avaliação que contenha uma sentença aritmética composta por frações de denominadores iguais entre 1 e 12, com numeradores que, entre si, somados ou subtraídos, mantenham-se dentro dos limites 1/12 a 12/12.

Esse caminho entre o que é necessário ensinar para que todos possam usufruir do direito à educação e a necessária verificação do aprendizado, que é a materialização desse direito, é pavimentado pela didática contida em livros, materiais e instrumentos didáticos de alta qualidade. Não existe educação sem aprendizado, é preciso repetir essa frase simples à exaustão, porque, no Brasil, fomos convencidos de que a disputa pela alocação de recursos financeiros para educação substitui a preocupação com o que é efetivamente aprendido. Assim, a atenção à didática esvaneceu. É fundamental retomar o foco no que os alunos aprendem ou deixam de aprender e o livro didático de qualidade é o melhor investimento que sociedade, governos, famílias, escolas, professores e alunos podem fazer para superar a ignorância gerada dentro da escola.

Continuando nosso exemplo, para que um aluno possa demonstrar que domina o objetivo de aprendizagem exemplificado acima, ele já deverá operar com destreza o valor posicional de números inteiros até a segunda ordem (dezenas) e a sua aritmética, compreender a noção de fração/divisão e saber usar a notação matemática correspondente. Embora esse item curricular seja elementar, é possível perceber que os alunos já devem ser capazes de fazer processamentos cognitivos bem complexos para qualquer ser humano. O material de ensino de bom padrão traz explicações bem simplificadas de cada etapa, utiliza soluções gráficas para que o aluno forme o conceito em seu cérebro e o tempo todo propõe atividades de treino e verificação do que está sendo ensinado. O cuidado com a apresentação e digestão paulatina de cada componente é essencial para que o conjunto do aprendizado realmente ocorra. Além disso, há recursos pedagógicos extras, como material dourado e outras utilidades pedagógicas que facilitam, pela manipulação de objetos concretos, a formação das ideias (neste caso) matemáticas no cérebro de cada aluno. Essa lógica vale para tudo que deveria ser aprendido nas escolas.

Acontece que o material didático no Brasil é quase totalmente regulado pelo Governo Federal. O Programa Nacional do Livro Didático, que absorve a maior parte da produção de livros nacionais, parece uma boa ideia: o Ministério da Educação faz um edital que define aspectos pedagógicos, técnicos e gráficos para que possa executar a compra centralizada de praticamente todos os livros didáticos (e paradidáticos) que circulam nas escolas públicas e (não se iludam) pautar os das escolas particulares. Uma comissão avalia o que as editoras produziram com base no edital, libera para os professores das escolas selecionarem o que lhes mais apraz e vivemos felizes para sempre. Só que, quem controla a equipe técnica responsável pela elaboração do edital e, como parte do processo, as demais equipes que analisam o que as editoras produziram com base nele, tem nas mãos a quase totalidade do que circula pelas mentes de nossos alunos. É muita tentação, não?

Não existe educação sem aprendizado, é preciso repetir essa frase simples à exaustão, porque, no Brasil, fomos convencidos de que a disputa pela alocação de recursos financeiros para educação substitui a preocupação com o que é efetivamente aprendido

Se, por um lado, a compra centralizada permite uma redução brutal nos custos dos livros (quase sempre os únicos) disponibilizados aos nossos alunos, por outro, é urgente que a sociedade passe a prestar mais atenção em quem participa do processo, o que está definido no edital, qual a resposta das editoras e que opções os professores escolhem para suas escolas. É preciso dar muita sorte para que algo desafiante e de qualidade vá para as salas de aula e que ali, oxalá, o professor ensine tudo o que foi proposto. No ambiente de escolas pagas, esse necessário controle de qualidade do material de ensino é raro, mas possível. No ambiente público, que atende mais de 80% de nossas crianças e jovens, é praticamente impossível.

Ultimamente tenho analisado com muito vagar e atenção os livros usados no fim do ensino fundamental e no ensino médio, principalmente no que diz respeito à abordagem de assuntos relacionados ao agronegócio. A má qualidade dos textos, a mediocridade das atividades de aprendizagem e a doutrinação de esquerda mais deslavada são simplesmente revoltantes.

Recentemente, um novo edital de livros para pré-escola permitiu que milhões de alunos recebessem em suas escolas material de ensino parecido e até melhor do que é usado em escolas privadas de bom nível. Como os mesmos recursos será possível fazer muito mais pelos alunos. É quase um milagre, mas essa nova lógica de gestão de política educacional não foi apenas combatida pelo lado nefasto do Legislativo Federal, há relatos que professores e equipes técnicas se recusam a usá-lo por darem trabalho demais (com outras desculpas, claro).

A verdade é que dormimos no volante por tempo demais. Nosso carrinho verde e amarelo dirige-se rapidamente para o precipício levando 220 milhões de pessoas dentro. No setor educacional é onde se pode notar isso com mais clareza. Só um milagre nos salva!

Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
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