Instituto Jaime Lerner

Cidade e alimentação

16/12/2022 12:26
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Horta comunitária Vitória-régia, em Curitiba. | Daniel Castellano/Divulgação

Segundo a FAO, a agência da ONU dedicada à Alimentação e Agricultura, hoje 55% da população mundial reside em áreas urbanas, número que deve chegar a dois terços até 2050. Tal processo afeta diretamente as cadeias de produção e comercialização de alimentos, visto que a maior parte é consumida nos centros urbanos, demandando novas abordagens do planejamento urbano para suprir as necessidades alimentares atuais e futuras.
Por se tratar de um recurso vital, grandes cidades têm abordado a alimentação como um sistema de infraestrutura urbana -- assim como os sistemas de abastecimento de água, rede de esgoto e coleta de lixo. Trata-se de uma articulação entre diversos setores para levar o alimento mais saudável, saboroso e barato para a população. Esse conjunto, chamado de “sistema alimentar”, engloba importantes segmentos econômicos capazes de produzir alimentos e gerar emprego e renda. Tão capazes que, entre 2009 e 2019 no Paraná, o setor alimentício gerou 8 vezes mais empregos que o setor da construção civil, segundo dados do CAGED.
Ainda assim, há muito para se desenvolver e melhorar e algumas experiências ao redor do mundo podem nos inspirar nesse sentido. Em Toronto, destaca-se o uso de espaços públicos para a organização de feiras livres e apoio para abertura e manutenção de hortas comunitárias. Nos EUA, foram criados fundos de investimentos que financiam negócios com propostas favoráveis à venda de alimentos saudáveis. Em Londres, a prefeitura passou a restringir a abertura de estabelecimentos alimentícios não-saudáveis ao redor de escolas, assim como restringiu propagandas de alimentos não-saudáveis nos ônibus, metrôs e terminais de transporte.
Mais “perto de casa”, Curitiba foi vanguarda no assunto. No final dos anos 1980, durante a última gestão do Lerner como prefeito, foram implementadas iniciativas que prezavam pelo uso de espaços vazios para a criação de hortas urbanas. Foram criados os programas “Nosso Quintal”, em que a prefeitura fornecia insumos e assistência técnica para o plantio de alimentos nesses espaços, e o “Câmbio Verde”, existente até hoje, em que a população pode trocar materiais recicláveis ou óleo de cozinha por produtos hortifrútis produzidos na região.
Outras ações se seguiram: parcerias público-privadas para a implantação de hortas urbanas sob linhas de alta tensão e aproximações entre agricultores urbanos e chefes de cozinha, possibilitando novas experiências produtivas e culinárias. Outros programas que desempenham um grande papel no acesso à alimentação saudável e no incentivo à agricultura familiar da metrópole são as Feiras Livres, Armazéns da Família, Sacolões da Família, Restaurantes Populares, Fazenda Urbana e o Mercado Municipal. Estas e outras iniciativas levaram à criação da Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional e à Lei Municipal de Agricultura Urbana, recentemente.
Essas experiências indicam que o olhar do planejamento urbano sobre o sistema alimentar pode contribuir para o fortalecimento das cadeias locais de produção, melhoria da paisagem urbana da cidade, redução do desperdício de comida e promoção de dietas mais saudáveis - elementos cruciais para o desenvolvimento sustentável e harmônico das cidades. Apesar dos avanços, o processo de urbanização e a demanda por produtos mais saudáveis e ambientalmente corretos indicam que ainda há muito a ser feito. O que podemos pensar para o futuro? Que hábitos alimentares teremos que repensar? Como podemos adaptar nossas cidades às novas demandas?
*Marina Sutile de Lima é arquiteta no escritório Jaime Lerner Arquitetos Associados e mestra em planejamento urbano pela UFPR.