Instituto Jaime Lerner

O efêmero e o indelével; ou, feliz aniversário, Curitiba!

29/03/2023 18:21
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A Praça 29 de Março celebra o aniversário de Curitiba, com seus relevos contando parte de sua história. | Arthur Cordeiro

Celebrar um aniversário evoca, muitas vezes, uma mistura de sentimentos de alegria e apreensão. Sua passagem nos lembra da inexorabilidade do tempo e da finitude do corpo que habitamos.
A percepção de nossa mortalidade alimenta o desejo de criar algo que nos ultrapasse. Na falta de uma “máquina do tempo”, temos memórias e sonhos; geramos e contamos histórias. Como indivíduos, aspiramos à transcendência. Como sociedade, elaboramos culturas.
Um dos artefatos culturais mais poderosos que erigimos foram as cidades, as quais materializam no espaço o fluxo do tempo. Como lindamente reflete o filósofo Paul Ricoeur, em seu ensaio para a coletânea “A Religação dos Saberes, Desafios para o Século XXI”: “Gostaria de insistir numa segunda mediação entre a memória e a história: a mediação entre gerações sucessivas em favor da coexistência de diversas gerações numa mesma fatia do presente. [...] Uma memória transgeracional assegura assim a transição entre a memória individual e coletiva e a história dos historiadores. Uma mediação comparável a essa memória transgeracional é assegurada pela arquitetura. A cidade constitui nesse sentido um espetáculo extraordinário de mediações mais do que transgeracionais. [...] Que prodigioso atalho temporal inscrito na pedra: estilos múltiplos, monumentalidades heterogêneas impõem sua coexistência no mesmo espaço urbano! [...] Diversos estratos da memória coletiva encontram-se assim empilhados e esparramados pela geografia da cidade. Existiria lugar mais eloquente da contemporaneidade do não-contemporâneo do que a cidade?”
O arquiteto Lerner sempre colocava que a cidade é o cenário do encontro. É nesse palco, no presente, que parte importante das interações humanas acontece. Nele, protagonizamos nossa existência forjando vínculos, evocando memórias e cultivando aspirações. E os atributos desse ambiente de coexistência onde múltiplos e simultâneos dramas, comédias e tragédias são vividos podem influenciar, positiva ou negativamente, a expressão de nosso potencial.
Por ser o cenário do encontro, o palco da cidade deve ser partilhado. E, como ele dizia, ainda que enfatizemos o essencial valor da diversidade no ambiente urbano, acompanhado do atávico desejo de pertencimento e de afirmação da identidade, a saúde do tecido social requer a prática permanente do respeito, da inclusão, da solidariedade e da coexistência.
Naturalmente, uma parte importante da construção de nossas personagens se dá em espaços privados, em células familiares, no íntimo de cada um. Mas há também um exercício fundamental que se dá na dimensão do coletivo, nos espaços públicos, na troca cultural. Na celebração do espírito que anima o corpo urbano em suas ruas, parques, praças; palcos, teatros, cinemas, museus; feiras, mostras, festivais; com música, pintura, dança, gastronomia...
Somos efêmeros, mas, no tempo de nossas vidas, podemos formar memórias indeléveis a partir de nossos encontros com a cidade. E o conjunto de nossos efêmeros esforços pode, também, deixar traços indeléveis nesse repositório transgeracional; um legado que inspire gerações futuras. Assim sendo, Feliz Aniversário, Curitiba! Que seus palcos cada vez mais acolham e favoreçam o descortinar de vidas em plenitude.