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Italo Marsili

Italo Marsili

Italo Marsili é médico psiquiatra, casado e pai de oito filhos, fundador da Atlântico Holding, um dos maiores grupos de empreendedorismo educacional digital do Brasil, com atuação em educação, saúde mental, audiovisual e impacto social. Criador do Guerrilha Way, o maior programa de desenvolvimento pessoal por assinatura do país, também idealizou a Certificação Italo Marsili®️ e é autor de best-sellers como Terapia de Guerrilha, Elogio aos Quatro Temperamentos e O Chapéu do Mago.

Inteligência artificial

Foi pausa, foi rito, foi indizível

Italo Marsili: "Não há nada mais antiestético do que um texto produzido por GPT" (Foto: Imagem criada por Whisk IA)

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Passo pouco tempo nas redes sociais. Bem menos do que alguns poderiam supor. Não por virtude, mas por falta de tempo, mesmo. Não sei quem são os comentaristas do momento, confundo o nome de políticos com o de ex-alunos. Realmente não tenho muita vocação para valete de chambre digital. Atenção, nunca fui a um podcast (na verdade, fui a um: dois amigos queridos, vizinhos, iniciavam um empreendimento e me chamaram. Fui. Hoje são um sucesso). Não tenho paciência, confesso. Confesso, ainda, uma outra coisa (objeto desta digressão em forma de texto): tenho sentido náuseas ultimamente. Com mais frequência do que o de costume. Um Vonau sublingual ao dia, pela manhã. Acompanhando a tapioca de frango desfiado que a Renata me prepara com carinho. Um Vonau 8 mg, sem prescrição médica. Fiz uma pequena busca no google: duzentos reais a caixa com 30 comprimidos. Um mês de Vonau. Duzentos reais. Vale a pena. Desculpem, voltemos ao assunto do enjoo: textos produzidos com Chat GPT. São muito cafonas, muito. São cafonérrimos. Eu tentei, quem trabalha comigo é testemunha de que eu recebi com entusiasmo o advento de uma maquininha capaz de conversar conosco, como se fosse um humanozinho, usando algo tão raro que não me importava ser artificial, a inteligência.

Comecei. Fiz um cadastro em 2023. Entusiasmado, explorei as possibilidades. Li artigos em inglês, mantive contato com engenheiros e desenvolvedores. Na minha faculdade (sim, eu sou dono de uma faculdade) oferecemos um curso sobre Inteligência Artificial, muito bom por sinal. Tudo. Fiz de tudo, juro.

A esta altura, o leitor pode notar a minha decepção, o cansaço, a descrença, o sangue de quem apanhou e perdeu. Este sou eu. Quero ser pedante agora: não fui vencido pela idade (pelo choque geracional), mas por ter senso estético; e não há nada mais antiestético do que um texto produzido por GPT. Não importa o prompt oferecido, não importa o operador, o GPT tem, nos últimos meses, vestido um casaquinho escroto, com pantufinhas escrotas nos pés e um bigodinho escroto na cara, e um desodorante que não é desodorante mas leite-de-não-sei-o-que-natural no sovaco, e todo esse pacote de coisas sem lastro, cultura, densidade... uma tragédia. Sabe qual a maior tragédia? Rolar o feed do Instagram e perceber duas coisas: 99% dos textos escritos, têm sido escritos com GPT. Isto é triste mas não é uma tragédia. A tragédia vem a seguir: os comentários. “nossa, você tirou as palavras da minha boca”; “impressionante! Você lê pensamento”; “fiquei emocionada”... incultura geral. Morte do senso estético. Você não é capaz de ouvir a voz de uma máquina e discernir que aquelas palavrinhas têm som de robô? A cambada digital não tem aquele mínimo de cultura para distinguir a voz humana.

Uma ex-paciente me escreveu um texto por whatsapp há uns dias. Um aluno me escreveu um convite - (tudo isto é verdade). O que essas mensagens tinham em comum? Aquela estrutura de fezes: “não é sobre A, mas sobre B”; “não é nem A nem B, mas C”; “o que antes era [algum verbo vazio]; agora é símbolo, é [outro verbo vazio em antítese ao primeiro], é silêncio”. Sempre uma ou mais teses rasteiras, que parecem início de insight: “Não é A”, seguidas por uma Antítese sentimental-pseudofilosófica, com um termo ambíguo e pretensamente poético: “É B”; chegando a uma “Síntese vazia ou silêncio performático” (essa é a parte do Vonau, muito enjoada), como se o texto tivesse atingido um plano superior de consciência: o "C" transcendental: “é pausa”, “é rito”, “é o indizível”.

Um amigo me mandou um texto por ocasião do nascimento da minha filha: Era uma ficção, um conto autoral

Fui colhendo ao acaso, sobretudo no Instagram de gente bacana, de professores bacanas, alguns exemplos desta matéria fecal do espírito digital:

"Não é sobre A, é sobre B" (o falso insight) “Não é sobre vencer, é sobre seguir mesmo com medo”.

"Não é nem A, nem B, é C" (a falácia do terceiro estado) “Não é nem amor nem ódio. É memória”; “Não é nem partida nem chegada. É travessia”.

"Antes era X; agora é Y, é silêncio" (a trilogia da epifania de fezes) “O que antes era espera, agora é entrega. É dança. É fé.”

"Fui A, sou B, me tornei C" (Roteiro de autotransformação) “Fui ferida, sou cicatriz, me tornei cura”.

"Verbo + substantivo + mistério" (Metafísica de Instagram) “Sentir é tocar o intocável”; “Acolher é dançar com o indizível”; “Perder é costurar ausência com esperança”.

"X é Y em Z" (Fórmula de aforismo-pílula) “Amor é coragem em forma de gesto”

"O que era X, virou Y, é Z" (Transformação autodeclarada) “O que era cansaço, virou trégua. É paz”.

"X é Y em Z" (Pretensa definição ontológica) “Tempo é amor em movimento”.

“Metáforas batidas em ritmo de mantra sensível” (não sei nem descrever isso, parece letra de música ruim) “A dor não avisa, mas ensina”; “O luto não grita, mas molda”.

"Verbo + adjetivo inesperado" (A forma tenta parecer poética) “Sentir é azul”.

"Substantivo é verbo em modo [sentimento]" (A tentativa de animar um substantivo) “Amor é verbo em estado de flor”; “Silêncio é verbo em forma de abraço”.

"Quando X, então Y, e por fim Z" (Sequência narrativa de “transformação” que nunca encosta na realidade) “Quando a lágrima cai, o peito se abre, e o mundo aprende”; “Quando o tempo para, o coração escuta, e a alma floresce”.

"Palavra. Outra palavra. Mais uma palavra." (Tripletos de abstrações supostamente místicas) “Raiz. Fratura. Vertigem”; “Pele. Fresta. Sopro”.

"X também é Y" (Busca reconciliação, sem tensão) “Cuidar também é deixar ir”.

"X é quando Y se torna Z" (Definições circulares) “Amor é quando o tempo se torna gesto”.

Decidi comprar um Nokia 105, 4G, dual chip, 128 MB, preto, 48 MB de RAM, e abandonar meu iPhone de último modelo, cheio de aplicativos. R$192,00 no Mercado Livre. Frete grátis. Mais barato do que uma caixa de Vonau 08mg. Quero distância disso tudo por enquanto.

A gota d’àgua aconteceu há um par de dias:

Um amigo me mandou um texto por ocasião do nascimento da minha filha. Era uma ficção, um conto autoral. Enviou o texto por WhatsApp mesmo. Texto longo. Eu perguntei: “foi você quem escreveu?”, ele mandou um emoji de óculos escuros. Não disse que sim, nem que não: “foi pausa, foi rito, foi indizível”.

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