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Alguns são grandes defensores da liberdade de expressão – desde que expressem aquilo com que concordam. Muitos sonham em segredo com democracias fajutas onde impera o pensamento único – o seu próprio.
Imagine, caro leitor, o Éden digital: uma sociedade inteiramente moldada pelas mesmas ideias – as suas. Um mundo onde todos os jornais, TVs, rádios, redes sociais, colunistas e até os poetas de Instagram concordam com você em gênero, número e vírgula. Cada comentário seu, do meme ao textão, seria ovacionado com curtidas e compartilhamentos. Nenhum debate, nenhuma crítica, nenhuma alma desgarrada para abalar sua impecável certeza sobre tudo. Só a doce melodia do consenso absoluto.
Seja na versão com foice e martelo, farda ou qualquer outra, regimes autoritários têm um fetiche em comum: o pensamento único. E com ele, a imprensa domesticada, a crítica censurada e o povo disciplinadamente em silêncio
Mas não se engane: esse paraíso monocromático onde impera o pensamento único exige sacrifícios. Para mantê-lo puro, seria preciso extirpar os hereges – ou melhor, os divergentes. Aqueles teimosos que insistem em pensar diferente, em argumentar, em existir fora da sua bolha. Um banimento aqui, uma demissão ali, um bloqueio acolá. Nada que uma boa e farta distribuição de censura não resolva.
Aliás, a história está cheia desses entusiastas da harmonia total. Chamam-se ditadores. São figuras que não apenas detestam o contraditório, mas o criminalizam. Seja na versão com foice e martelo, farda ou qualquer outra, regimes autoritários têm um fetiche em comum: o pensamento único. E com ele, a imprensa domesticada, a crítica censurada e o povo disciplinadamente em silêncio.
Parece exagero? Pois olhe ao redor. Toda vez que alguém pede a cabeça de um jornalista apenas por emitir uma opinião que desafia suas convicções, quer mandar para a cadeia humoristas por piadas ruins, uma autoridade tenta criminalizar críticas recebidas, políticos que chamam de fake news qualquer verdade inconveniente estamos diante de alguma medida típica de um tiranete.
Claro, há uma diferença abissal entre o poder institucional de um agente do Estado e o ranço cotidiano de um cidadão indignado. Só há um único Xandão no mundo com sua caneta mágica capaz de mandar e desmandar no Brasil e moldar a realidade a partir do seu pensamento. Mas o espírito censor é o mesmo. Aprender a ouvir argumentos contrários aos nossos, aceitar que as pessoas podem ter suas próprias opiniões – ainda que as consideremos absurdas e mesmo cretinas – faz parte do processo. A liberdade de expressão não foi feita para proteger o que você gosta de ouvir. Ela existe justamente para garantir que o discurso que você detesta exista.




