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Esplanada dos Ministérios, Brasília.
Esplanada dos Ministérios, Brasília.| Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Partindo da obviedade de que uma eventual vitória de Lula no dia 30 de outubro trará ao Brasil uma enxurrada de tragédias, convido o leitor a fazer um recorte mais específico para a Esplanada dos Ministérios, onde são elaboradas e executadas a maioria das políticas públicas do governo federal. Aqueles que se arriscarem no angustiante exercício de pensar o que tanto mudaria da gestão Bolsonaro para um novo mandato petista, certamente chegariam à correta conclusão de que nenhum outro ministério passaria por uma deformação tão intensa quanto o de Direitos Humanos. Seria como água e óleo, dia e noite ou qualquer outra dicotomia que ilustre como a chegada de uma realidade substitui completamente a outra, numa separação total, sem nada aproveitar, dada a diferença quase ontológica entre uma linha de pensamento e outra. Não é exagero dizer que o abismo a separar as duas gestões seria ainda mais profundo do que aquele que afetaria o ministério da Educação, no qual as discrepâncias também não seriam nada desprezíveis.

No final de 2018, quando Damares Alves foi convidada a assumir a pasta, alguns amigos estiveram à frente da idealização do novo ministério. Testemunhei de perto que o seu nascimento passou longe de ser mera troca de equipe, como se a nova turma fosse apenas executar “no automático” aquilo que já se fazia. Isso foi o que aconteceu na transição FHC-Lula, mas agora tratava-se de uma verdadeira revolução conceitual. Pela primeira vez desde a redemocratização, a agenda da pasta não seria mais ditada por ONGs progressistas - a maioria delas de fora do país - que acentuam a radicalismo de suas pautas ano após ano. Dessa vez fez-se o que sempre deveria ter sido feito: partiu-se da Constituição Federal, da Declaração Universal dos Direitos Humanos e de outros tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção Americana de Direitos Humanos, também chamada de Pacto de São José da Costa Rica, e a Convenção de Viena, de 1993.

Foi desse sólido fundamento que surgiu a ideia de destacar no nome do próprio ministério a instituição da família e a mulher, resultando no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Não foi por marketing, mas por coerência e opção de foco. O tema da mulher merece um artigo futuro específico, mas no caso da família é na Constituição que se encontram afirmações como “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Mesmo assim, nas gestões tucana e petista o tema, quando não era frontalmente repudiado, conseguia no máximo ser tratado de modo tangencial, limitando-se a distribuição de benefícios financeiros, como o Bolsa Família, ou àquilo que chamavam de planejamento familiar, e que na prática nunca foi além da simplória disseminação de formas para evitar filhos. Só se falava na instituição familiar propriamente dita quando o objetivo era “desconstruí-la”, apresentando a família tradicional, formada por pai, mãe e filhos, como uma realidade distante, anacrônica, e intrinsecamente preconceituosa. É claro que essa visão era verbalizada com mais frequência pelos mais extremistas dentro do antigo MDH, e eles nunca foram poucos, já que essa era justamente a pasta na qual o petismo alocava seus radicais. Era a válvula de escape para os histriônicos da Esplanada em sua insaciável necessidade de acenar à militância.

Aqueles que se arriscarem no angustiante exercício de pensar o que tanto mudaria da gestão Bolsonaro para um novo mandato petista, certamente chegariam à correta conclusão de que nenhum outro ministério passaria por uma deformação tão intensa quanto o de Direitos Humanos

Na gestão Bolsonaro, sob a chefia de Damares, o ministério ganhou pela primeira vez em sua história uma Secretaria Nacional da Família e a implementação de políticas para a família passou a ser tratada como prioridade absoluta, uma visão muito mais condizente com o que a Constituição de 88 estabeleceu. A equipe técnica que lá trabalhou por esses quase quatro anos foi escolhida a dedo entre os maiores especialistas no assunto e, graças à visão mais ampla e profunda do tema, não se limitavam a ver a família como mera receptora de benefícios sociais e instruções pré-fabricadas em gabinetes de ideólogos. Eles estudaram a realidade familiar no Brasil, sua história, sua importância na sociedade e as consequências nocivas de sua gradativa desestruturação. Foi assim, usando a razão, que se chegou a iniciativas absolutamente inovadoras como a Estratégia Nacional de Fortalecimento dos Vínculos Familiares, o Programa de Equilíbrio Trabalho-Família e o Reconecte, que destaca o problema do uso imoderado de novas tecnologias nas relações familiares – telas demais e convívio de menos.

Conseguem imaginar projetos com esse grau de sensibilidade e clareza sobre as famílias brasileiras vinda de uma gestão Lula? Óbvio que não, pois o que veio daquele ministério nos tenebrosos 13 anos em que o PT esteve no poder foram coisas como o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), que, entre outras bandeiras peculiares, propunha o relaxamento da ação policial contra usuários de drogas, a “desconstrução da heteronormatividade” e defendia oficialmente a descriminalização do aborto "considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos". Aliás, trazer no currículo provas robustas de que se tratava de um notório defensor do aborto parecia ser critério essencial na seleção de ministros para a pasta. Foi o caso, por exemplo, da inesquecível Maria do Rosário (2011 – 2014). No caso de concretização do pesadelo de um novo mandato para Lula, quem desponta à frente para assumir o MDH é o deputado federal comunista Orlando Silva (PCdoB-SP), que fracassou em se reeleger. Silva é o atual presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara e protagonizou uma das polêmicas mais intensas da atual legislatura como autor do Estatuto das Famílias do Século XXI, proposta que, na prática, legalizava o incesto e a poligamia no Brasil.

Colocar o PT de volta no comando do Ministério de Direitos Humanos, portanto, significa expulsar a instituição familiar para bem longe das preocupações do Estado. A única família que interessa para Lula e o consórcio de interesses que o apoia é aquela que se lembra do Bolsa Família e vota treze, sem dar um pio sobre as agressões do petismo contra tudo o que os pais e mães zelosos consideram mais sagrado.

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