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No encontro que empresários brasileiros tiveram na semana passada com o vice-secretário de Estado americano, Christopher Landau, em Washington, eles ficaram sabendo o que já estava claro desde o princípio e só não viu quem não quis: o “tarifaço” imposto pelo governo Trump às exportações brasileiras para os Estados Unidos tem pouco ou nada a ver com questões comerciais.
Segundo relato do presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Ricardo Alban, que liderou o grupo, Landau reafirmou que o tarifaço tem motivação política e está relacionado principalmente com as ações do governo Lula e do Supremo Tribunal Federal contra o Estado de Direito, a perseguição ao ex-presidente Jair Bolsonaro e a seus aliados e as medidas tomadas contra empresas e cidadãos americanos, em especial as Big Techs – alvos preferenciais das bravatas nacionalistas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro Alexandre de Moraes.
Landau disse, de acordo com Alban, que as únicas autoridades credenciadas a negociar o tarifaço são o secretário de Estado, Marco Rubio, e o próprio presidente dos EUA, Donald Trump. Lula, porém, recusa-se a procurá-los diretamente, em especial a Trump, apesar de dizer o contrário, em meio à sua retórica agressiva e revanchista.
O temor de Lula, conforme o noticiário, é ser “humilhado” por Trump, como teria acontecido, em sua visão, com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, em sua primeira visita à Casa Branca, em fevereiro. “Vocês deveriam fazer lobby em Brasília (e não aqui)”, recomendou Landau aos empresários, pelo relato de Alban.
Guardadas as devidas proporções, Trump está, ao seu modo, dando a sua contribuição para o retorno do país ao Estado de Direito, como fez Jimmy Carter durante o regime militar. Pode demorar um mês, um ano ou até mais, mas a fatura vai chegar
O problema, nesta altura do campeonato, é que parece improvável que o consórcio Lula-STF dê ouvidos a qualquer ponderação que se faça contra a escalada da crise ou em defesa da anistia aos acusados e condenados pelos atos de 8 de janeiro e pela suposta tentativa de golpe de Estado, se é que os representantes do PIB (Produto Interno Bruto) que foram a Washington estejam realmente dispostos a seguir a sugestão de Landau e a se empenhar para “pacificar” o país.
No momento, tudo leva a crer que o presidente, Moraes e vários de seus colegas da Corte estão dobrando a aposta nos atalhos antidemocráticos trilhados nos últimos anos, ampliando as fissuras existentes na sociedade e “pondo pilha” na polarização política. Qualquer um que se pronuncie contra o arbítrio é logo taxado pelos integrantes do regime e seus aliados de “bolsonarista”, “fascista” e “golpista”, como forma de deslegitimar os seus argumentos e desestimular críticas adicionais.
Nem as novas denúncias da Vaza Toga, que escancararam as inúmeras irregularidades cometidas na condução dos processos por Moraes, nem o fato de que as peças de acusação da Procuradoria-Geral da República terem se revelado um “pastel de vento”, que não sustenta a tese de que houve realmente uma tentativa de golpe de Estado liderada pelo ex-presidente, parecem demover Lula e a maior parte dos magistrados do STF de sua sanha persecutória contra a direita no país.
No entanto, o fato de Lula, os ministros do Supremo e seus apoiadores, incluindo muitos integrantes do chamado “centro democrático”, não reconhecerem que o Brasil vive hoje sob um regime de exceção está longe, muito longe, de significar que isso não esteja realmente acontecendo, aos olhos de Trump, de observadores independentes e de boa parte dos brasileiros.
Até hoje não se tem notícia de um regime autoritário no mundo que se tenha reconhecido como tal. O ex-ditador soviético Joseph Stálin (1878-1953), por exemplo, nunca admitiu ter liderado um regime sanguinário, que assassinou milhões de adversários políticos e mantinha “campos de concentração” para opositores na Sibéria. A China de Xi Jinping também jamais reconheceu ser uma ditadura em que os críticos são presos sem apelação e viram párias da sociedade. Ditaduras comunistas, como a da antiga Alemanha Oriental, traziam até a palavra “democrática” no nome. A da Coreia do Norte ainda traz. Não seria agora, no Brasil do consórcio Lula-STF, que a escrita seria rompida.
É certo que, hoje, não há tortura física no país, como ocorria na época do regime militar e como ocorre em ditaduras espalhadas pelo mundo afora. Até o momento também não há informações sobre o “desaparecimento” de nenhum brasileiro por causa das ações arbitrárias de Moraes. Ainda assim, multiplicam-se as evidências de tortura psicológica e de abusos promovidos pelo ministro, com a cumplicidade da maioria de seus colegas do STF, que não deixam de caracterizar um regime autoritário.
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Fazem parte da lista as restrições à liberdade de expressão, com a retirada do ar de dezenas de páginas de apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais, e as penas de até 17 anos de prisão impostas aos acusados de envolvimento nos atos de 8 de janeiro por delitos menores, como “pichar” a estátua da Justiça localizada na frente da STF com batom e sentar na cadeira de Moraes.
Faz parte da lista também a adoção indiscriminada de medidas cautelares contra os acusados de participar da suposta tentativa de golpe, como o uso de tornozeleira eletrônica por Bolsonaro e a proibição de ele conceder entrevistas, fazer discursos públicos e usar as redes sociais. Em outro exemplo emblemático das ações arbitrárias de Moraes, o ex-deputado federal Daniel Silveira teve a sua prisão decretada por descumprir as regras de liberdade condicional, ao se dirigir a um hospital para tratar de problemas renais.
No balanço sinistro dos processos relatados por Moraes, incluem-se, ainda, as mortes de seis dos acusados de envolvimento nos atos de 8 de Janeiro, dos quais o mais conhecido é Cleriston Pereira da Cunha, chamado pelos bolsonaristas de Clezão. Ele morreu em novembro de 2023, aos 46 anos, quando estava preso na Papuda, em Brasília, 13 dias depois de sua defesa ter pedido que a prisão preventiva fosse convertida em domiciliar, por causa de problemas de saúde, sem que a petição sequer tenha sido analisada por Moraes.
A própria decisão do Tribunal Superior Eleitoral de tornar Bolsonaro inelegível por oito anos, por ter reunido embaixadores para atacar o sistema eleitoral, é outro sinal contundente de que o Brasil vive hoje um regime de exceção, apesar de o ministro Gilmar Mendes ter dito, em publicação nas redes, que não há “ditadura da toga” no país “nem ministros agindo como tiranos”. Sua declaração foi uma resposta à afirmação do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, de que “ninguém aguenta mais a tirania de um ministro como Moraes”, feita durante ato da oposição na Avenida Paulista, no 7 de setembro.
O mesmo se pode dizer, entre tantas outras coisas, sobre a perseguição judicial de políticos da oposição e possíveis candidatos nas eleições de 2026 e sobre as ameaças de retaliação feitas contra parlamentares que se declaram favoráveis ao impeachment de ministros do STF, especialmente de Moraes, e à anistia dos condenados e acusados pela suposta tentativa de golpe.
Embora a narrativa oficial esteja ancorada na ideia de que o Judiciário e o Executivo brasileiros são independentes, o que impediria qualquer negociação com Trump em relação ao julgamento de Bolsonaro e de seus aliados, isso também não quer dizer que o tarifaço e as sanções impostas a autoridades do país, em defesa do restabelecimento do Estado de Direito, não sejam legítimos.
Ao longo da história, há inúmeros exemplos de nações efetivamente democráticas – no sentido liberal do termo, repudiado pelos comunistas e pelos socialistas – que impuseram sanções a regimes autoritários e vinculados ao narcotráfico e ao terrorismo internacional e deram apoio diplomático a seus opositores, como Trump está fazendo agora com o Brasil do consórcio. Apenas para ficar nos casos mais recentes, pode-se mencionar a Rússia de Vladimir Putin, a Venezuela de Nicolás Maduro, a Bielorrússia de Alexander Lukashenko, o Irã dos aiatolás e a Coreia do Norte, com sua ditadura hereditária.
No Brasil, durante o processo de impeachment e de destituição da ex-presidente Dilma Rousseff do cargo, ela mesma e o PT turbinaram a narrativa de que havia ocorrido um “golpe parlamentar” e pediram sanções contra o país a seus aliados no exterior. Algo semelhante aconteceu quando da condenação e da prisão de Lula por corrupção em 2018, sob a alegação de que ele havia sido vítima de lawfare (perseguição judicial), apesar da profusão de provas apresentadas na ocasião.
(Nunca é demais lembrar que a condenação de Lula não foi anulada pelo STF porque as acusações contra ele foram contestadas, mas por causa de uma conversa ocorrida durante o processo entre o ex-juiz e hoje senador, Sergio Moro, e o então procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol, o que teria comprometido, na avaliação da Corte, a decisão judicial.)
No fim dos anos 1970, o então presidente americano, Jimmy Carter (1924-2024), que ocupou a Casa Branca de 1977 a 1981, contribuiu de forma considerável para a redemocratização brasileira, a anistia “ampla, geral e irrestrita” e a queda do regime militar, com sua política de defesa dos direitos humanos e da democracia. E não há registro de que ninguém da oposição aos militares tenha se levantado na época para defender a “soberania nacional” e reclamar de “interferência” externa na vida política do país.
Em 1977, a mulher de Carter, Rosalynn, falou sobre as violações dos direitos humanos no país diretamente ao então presidente Ernesto Geisel (1907-1996), durante uma viagem ao Brasil. E, embora Geisel tenha considerado a atitude da primeira-dama americana como “impertinente”, segundo o noticiário da época, isso não a impediu de realizar encontros também com defensores dos direitos humanos, como o cardeal Paulo Evaristo Arns (1921-2016), e com dois missionários americanos que afirmaram ter sido torturados por motivos políticos, entre outros opositores do regime.
Lula, os “supremos” e seus apoiadores podem até jurar, de pés juntos, que o Brasil vive em “plena democracia” e se posicionar contra a anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro e na suposta tentativa de golpe. Podem também recorrer à surrada estratégia de defender a “soberania nacional” e ameaçar retaliações contra as medidas de Trump, para tentar levantar a arquibancada e seguir o roteiro traçado para o julgamento de Bolsonaro e de seus aliados, de extirpá-los da vida política brasileira.
Agora, diante de todas as evidências que se apresentam em sentido contrário e que motivaram as sanções do presidente americano, não dá para levar a sério essa narrativa. Guardadas as devidas proporções, Trump está, ao seu modo, dando a sua contribuição para o retorno do país ao Estado de Direito, como fez Jimmy Carter durante o regime militar. Pode demorar um mês, um ano ou até mais, mas a fatura vai chegar. A expectativa dos que defendem a democracia sem adjetivos é que ela chegue o quanto antes, independentemente do que se pense sobre Bolsonaro e os bolsonaristas.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos




