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José Fucs

José Fucs

Brasil x EUA

Trump está certo sobre o Brasil

Com suas medidas punitivas, Trump mostrou também que Moraes e seus colegas do STF podem muito, mas não podem tudo. (Foto: Eric Lee /EFE/EPA/ POOL)

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O tarifaço anunciado pelo governo Trump sobre exportações brasileiras para os Estados Unidos, em vigor desde 6 de agosto, e as punições impostas a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), em especial a Alexandre de Moraes, e a integrantes do Executivo e do Legislativo, abriram “oficialmente” a nova temporada de patriotadas e bravatas antiamericanas no Brasil.

De repente, espalhou-se por aí um sentimento de indignação e revolta contra a tentativa de Trump usar as medidas para “interferir” nos assuntos internos do País, em decorrência da perseguição sofrida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e por sua corrente política e dos abusos cometidos contra a liberdade de expressão, os direitos humanos e a democracia pelo STF, muitas vezes em coordenação com o atual governo petista.

A “onda verde-amarela”, impulsionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por seus aliados, em parceria com Moraes e vários de seus colegas do Supremo, contagiou não só a esquerda, como seria de se esperar, mas também boa parte do chamado “centro democrático” – um balaio que inclui os “isentões”, os sociais-democratas e os autodenominados “liberais progressistas”, seja lá o que isso signifique.

Em discursos, notas oficiais, comentários à imprensa e publicações nas redes sociais, os patriotas de ocasião saíram por aí bradando em defesa da “soberania nacional” e chamando de “traidores da pátria” os que apoiaram as medidas adotadas por Trump. Houve até quem chamasse o presidente dos EUA de “mafioso” na mídia e quem defendesse, nas redes, o boicote a produtos americanos e a expulsão pura e simples do País de cidadãos brasileiros que ficassem ao seu lado na questão.   

É possível até discutir se o tarifaço foi a melhor alternativa para Trump expressar seu desagrado com os rumos trilhados pelo Brasil e alcançar seu objetivo: promover o fim do arbítrio; assegurar o respeito à separação de Poderes; garantir o direito de Bolsonaro e de seu grupo político participarem do jogo democrático; e preservar o devido processo legal nos processos que correm no STF pela suposta tentativa de golpe de Estado.

O tarifaço imposto por Trump tem, afinal, um gosto amargo para o país, apesar da tentativa oficial de minimizar os seus efeitos e de a revista The Economist ter afirmado que ele representa “mais um latido do que uma mordida”.

Segundo a Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais), o tarifaço pode levar à perda de quase 150 mil empregos em até dois anos e a uma redução de 0,22% no PIB (Produto Interno Bruto). Pode afetar ainda, de acordo com cálculos da Câmara Americana de Comércio para o Brasil, mais da metade das exportações do país para os EUA, o maior mercado global e o segundo maior importador de produtos nacionais.

É possível até questionar também, eventualmente, se o cancelamento de vistos de entrada de autoridades brasileiras nos EUA é a melhor ferramenta para levar a uma mudança no curso dos acontecimentos no Brasil.

O mesmo se pode dizer sobre a aplicação, a Moraes, da Lei Magnitsky, que prevê o bloqueio de contas e de bens mantidos nos EUA e em instituições financeiras que operam no mercado americano, por cidadãos de qualquer país envolvidos em graves violações dos direitos humanos e em atos de corrupção.

Agora, independentemente dos efeitos que as medidas de Trump possam ter, o que se pode afirmar, sem medo de errar, é que a narrativa de que elas atentam contra a soberania nacional só serve aos interesses do consórcio Lula-STF, que governa o país, e a seus aliados — declarados e enrustidos — que normalizam o arbítrio sob a justificativa de “defender as instituições” de “ataques” alienígenas.

A imposição de sanções a países, a organizações ligadas a governos e a autoridades e seus familiares — como restrições comerciais, congelamento de ativos e proibições de viagem — é um instrumento legítimo de pressão, usado com frequência pela comunidade internacional contra regimes e indivíduos que cerceiam a democracia e promovem violações de direitos individuais, prisões arbitrárias, perseguição de opositores e censura pelo mundo afora.

Mesmo que os resultados alcançados pelas medidas punitivas sejam discutíveis, tais sanções já foram aplicadas a diversos países, como Cuba, Venezuela, Nicarágua, Bielorrússia, Myanmar, Zimbábue e Irã (desde antes do lançamento de seu programa nuclear), bem como às autoridades envolvidas nos abusos e aos seus cônjuges e filhos.

Outro dia mesmo, os EUA dobraram a recompensa para US$ 50 milhões pelo fornecimento de informações que levem à prisão do ditador da Venezuela, Nicolás Maduro – e é difícil imaginar que qualquer democrata digno do nome se oponha a isso, em nome da “soberania” venezuelana e da “autodeterminação dos povos”, como costuma falar Lula ao defender regimes tirânicos que se alinham ao seu discurso antiamericano e anticapitalista.

Embora a Lei Magnitsky não tenha sido imposta anteriormente a autoridades judiciais, diversos juízes, magistrados e promotores da Venezuela e da Nicarágua, por exemplo, já foram punidos pelos EUA, de um jeito ou de outro, por atentarem contra a democracia, por legitimarem ações autoritárias do governo e por manipulações eleitorais.

A ideia de que a busca de apoio externo para enfrentar as arbitrariedades representa uma “traição à pátria” também só reforça a narrativa propagada pelos que estão à frente do regime de exceção que está em vigor no país, além de ignorar, de forma oportunista e com o objetivo de obter vantagens políticas imediatas, o que aconteceu no passado recente.

Quando Lula foi preso, em 2018, as próprias lideranças do PT fizeram a mesma coisa que o deputado Eduardo Bolsonaro

Quando Lula foi preso, em 2018, as próprias lideranças do PT fizeram a mesma coisa que o deputado Eduardo Bolsonaro, o filho 03 do ex-presidente, e alguns bolsonaristas que também moram nos EUA estão fazendo agora: levaram o caso ao Comitê de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na Suíça, e à Associação Internacional dos Advogados Democráticos (IADL, na sigla em inglês). Buscaram também apoio de partidos, líderes e organizações de esquerda no exterior, com o argumento de que Lula, condenado por corrupção pela Lava Jato e depois “descondenado” pelo STF, era um “preso político” e “vítima de lawfare (perseguição judicial)”.

Mais do que as medidas adotadas por Trump, porém, o principal em tudo isso é que ele está certo em seu diagnóstico sobre o Brasil, que motivou as sanções aplicadas ao país e a integrantes do Supremo, do governo Lula e do Congresso. É preciso ser um negacionista total para dizer que o Brasil atual é um “exemplo de democracia” – e essa percepção parece, enfim, ganhar corpo não apenas no Brasil, mas também no exterior, fora das fileiras da direita internacional.

Dias atrás, o site americano The Hill, voltado à cobertura política e longe de ser considerado “de direita”, publicou um artigo com o mesmo título usado nesta coluna. Não faltam evidências para amparar a visão de que o Brasil promove hoje uma verdadeira “caça às bruxas”, como afirma Trump. São tantos os exemplos de abusos cometidos contra a oposição no Brasil, principalmente contra Bolsonaro e seus apoiadores, que surgiu até um site, o dossiemoraes.com, com versões em português e inglês, para compilá-los e embasar um pedido coletivo de impeachment de Moraes, a ser apresentado em setembro.

Segundo o site, criado pelo professor de economia, advogado e vereador de Curitiba, Rodrigo Marcial (Novo), com o apoio de políticos, advogados e jornalistas, Moraes já cometeu um total de 78 abusos desde março de 2019, quando o ministro Dias Toffoli, então presidente da Corte, instaurou o famigerado inquérito das fake news e o designou como seu condutor, sem a realização de sorteio para a distribuição do processo.

A lista de abusos inclui o julgamento, pelo Supremo, de ações que deveriam correr em primeira instância; a instauração de inquéritos de ofício pelo STF; a imposição de prisão domiciliar a Bolsonaro e a outros réus, com uso de tornozeleira eletrônica, sem condenação judicial; e a perseguição a congressistas protegidos por imunidade parlamentar.

Inclui também a censura a veículos de comunicação; o bloqueio de contas bancárias e perfis em redes sociais por motivos políticos e de forma sigilosa; a realização de prisões sem julgamento por publicações nas redes; a retirada da plataforma X do ar por não indicar representante legal no País e pelo não pagamento de multas impostas por Moraes; o confisco de dinheiro da Starlink para cobrir pendências do X, com base em interpretação criativa do conceito de grupo econômico; a proibição do uso de VPN e a instituição de multa de R$ 50 mil para quem burlasse a restrição; a tentativa de aplicar a legislação brasileira para silenciar indivíduos e empresas nos EUA; e até a prisão de um cidadão por causa de uma viagem ao exterior que ele provou jamais ter feito.

Na semana passada, novas e preocupantes denúncias de abusos vieram à tona, revelando a criação de uma espécie de Dops — a temida polícia política do regime militar — da era digital. De acordo com reportagem dos jornalistas Michael Shellenberger, David Ágape e Eli Vieira, batizada de Vaza Toga 2, Moraes coordenava um “gabinete paralelo” que usou, de forma ilegal, a estrutura do órgão de “combate à desinformação” do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e os dados biométricos dos eleitores para identificar pessoas detidas após o 8 de Janeiro e classificá-las ideologicamente, com base em postagens feitas nas redes em favor de Bolsonaro e com críticas a Lula, ao PT e ao STF.

Quase ao mesmo tempo, o ex-funcionário do Departamento de Estado dos EUA, Mike Benz, afirmou, em depoimento realizado na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, que o governo Biden atuou no Brasil, por meio de agências como a CIA e a USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional), para apoiar autoridades brasileiras na manipulação de narrativas e na censura a conteúdos digitais, com o objetivo de favorecer Lula contra Bolsonaro nas eleições de 2022.

Disse também que o governo Biden financiou ONGs e agências de checagem de fatos no País para realizar o trabalho sujo de identificação de perfis de direita a serem bloqueados pelo TSE durante a campanha eleitoral. Apesar de Benz não ter apresentado provas de suas acusações, elas revelam um quadro sinistro que, se confirmado, dará um xeque-mate na narrativa da “independência” do TSE e do STF na gestão do último pleito presidencial.

Por tudo isso, o que quer que se pense sobre as medidas adotadas por Trump contra o país e contra integrantes do STF, do Executivo e do Legislativo, não dá para negar que ele acertou na mosca ao ampliar a visibilidade global do regime de exceção — é este o nome que se deve dar — em vigor hoje no Brasil.

Com suas medidas punitivas, Trump mostrou também que Moraes e seus colegas do STF podem muito, mas não podem tudo. Podem estar acima do bem e do mal no Brasil, mas não estão a salvo do escrutínio global. Lá fora, como mostrou o presidente americano, ainda há gente que pode confrontá-los, com as armas de que dispõe, sem correr o risco de sofrer censura, levar um processo nas costas e acabar no xilindró.

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