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Ética vem do grego ethos, que significa “conduta”. Moral vem do latim mores, que também significa “conduta”. Ética e moral são duas palavras usadas como se fossem sinônimos perfeitos. Mas não são. Há pelo menos uma distinção sutil quando se busca precisão no que se quer dizer.
Para definir as duas palavras, vou me socorrer de uma palestra que fiz no governo do Paraná, quando um membro da plateia perguntou: o que é ética? Ele mesmo concluiu dizendo: ética é cumprir a lei. Eu respondi: será? E propus pensarmos sobre dois casos reais.
Primeiro caso. Corria o ano 2001 na Nigéria, quando uma jovem chamada Safiya Hussaini foi condenada à morte por apedrejamento. Seu crime: ela teve um filho sem ser casada. Segundo ela alegou, o fato teria decorrido de um estupro. Mas ninguém a ouviu.
A condenação a uma pena de morte tão brutal estava de acordo com a ordem legal, prevista na sharia. Indaguei aos presentes na palestra: existe alguma ética no assassinato da moça apenas por estar na lei? Colocar esse tipo de pena de morte na lei foi um ato ético?
Ética e moral são duas palavras usadas como se fossem sinônimos perfeitos. Mas não são
Durante o julgamento, Safiya não teve representação legal e não foi informada de seus direitos. O caso ganhou repercussão mundial, e moções de protesto com milhões de assinaturas vindas de várias partes do mundo fizeram o governo nigeriano voltar atrás.
O movimento funcionou: em março de 2002, ela teve novo julgamento e foi absolvida de todas as acusações. Essa jovem renasceu das cinzas, estudou e se tornou escritora. Seu livro Eu, Safiya fez sucesso, e outros escritos vieram.
Segundo caso. Em 2002, Alejandro Martínez, Lorenzo Castillo e Bárbaro García, três cubanos, um deles muito jovem, furtaram uma barca para tentar fugir de Cuba rumo aos Estados Unidos, mas foram pegos. Após um processo sumário, foram fuzilados em 11 de abril de 2003.
Perguntei aos presentes: se você fosse o soldado que puxou o gatilho e executou os três cubanos, você voltaria para casa tranquilo, beijaria sua mulher e seus filhos e dormiria em paz? Você diria que praticou um ato ético só porque tal punição consta nas leis cubanas?
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Descartando a validade de que ética seria apenas cumprir a lei, há duas correntes de pensamento que propõem sua definição. A primeira afirma que ética diz respeito à conduta pública e profissional, enquanto a moral se refere à conduta privada, particular e pessoal.
A segunda corrente diz que a moral se refere às condutas consideradas corretas, enquanto ética é a ciência que estuda e conclui por que tais condutas são consideradas corretas. Assim, a ética é a reflexão sobre o bem e o mal, e a moral se refere aos atos classificados como certos e errados, justos e injustos, corretos e incorretos.
De qualquer forma, essas definições não eliminam o problema de como classificar determinada conduta ou ato. Claro, há alguns atos cuja classificação é óbvia. Se um homem resolve correr nu na avenida central da cidade, diremos que esse ato é imoral. Não falaremos em ética.
Todavia, há casos polêmicos tratados pela ética, como o caso Lambert, ocorrido na França. Vincent Lambert, nascido em 1977, sofreu um grave acidente de motocicleta em 2008, aos 31 anos de idade, entrou em coma e passou a viver em estado vegetativo, mantido por aparelhos.
Parece-me bastante aceitável a proposta de que a moral define as condutas corretas, enquanto a ética dá a base filosófica e os princípios que fazem tais condutas serem consideradas corretas
Dado o estado do paciente como irreversível, a esposa e alguns familiares queriam desligar os aparelhos com base em uma lei francesa que permitia a interrupção do tratamento em casos irreversíveis. Mas os pais de Lambert se opuseram, e seguiu-se longa batalha judicial.
A Justiça francesa acabou decidindo a favor do desligamento dos aparelhos, com base em uma legislação de 2005 conhecida como Lei Leonetti. Na sequência, o caso foi à Justiça europeia e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos acatou a decisão da Justiça francesa autorizando desligar os aparelhos.
Citei esse caso porque, em 11 de julho de 2019, Vincent Lambert faleceu aos 42 anos em Reims, França, após a suspensão do tratamento, dando origem a uma enorme polêmica em toda a Europa e Estados Unidos sobre os aspectos éticos desse tipo de situação.
Parece-me bastante aceitável a proposta de que a moral define as condutas corretas, enquanto a ética dá a base filosófica e os princípios que fazem tais condutas serem consideradas corretas. No caso das condutas, eu gosto da regra de vida resumida abaixo:
“Moral é a regra de bem proceder, entendendo como tal não apenas deixar de fazer o mal, mas fazer o bem sempre que possível, como forma de evitar algum mal que resulte de não haver praticado o bem.”
Vejamos que por essa definição não basta deixar de fazer o mal, mas fazer o bem sempre que estejamos em condições de fazê-lo, pois, do contrário, a omissão é imoral. Essa regra moral passa pelos ensinamentos de Confúcio e de Jesus.
Confúcio nos disse: “Não faça aos outros o que não gostaria que outros lhe fizessem”. Jesus Cristo foi além e disse: “Faça aos outros tudo o que gostaria que os outros lhe fizessem”. Aí entra a obrigação moral de não se omitir e fazer o bem sempre que estejamos em condições objetivas de fazê-lo.
Quem também tratou do tema foi Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.). Em sua obra Ética a Nicômaco, o filósofo formulou suas regras morais não se baseando em deuses ou princípios religiosos. Para ele, ética é uma vida de virtudes, e a moralidade não é obediência a um Deus ou qualquer ente superior.
Não basta deixar de fazer o mal, mas fazer o bem sempre que estejamos em condições de fazê-lo, pois, do contrário, a omissão é imoral
Assim, Aristóteles estabeleceu que a moral tem como fundamento a razão humana, pois somos seres racionais, vivemos em sociedade e devemos tratar os outros da forma como gostaríamos que os outros nos tratassem.
Os princípios éticos e morais, tomados como sinônimos ou não, estão presentes também na literatura de ficção. Isaac Asimov (1920-1992), escritor de ficção científica, publicou sua obra I, Robot, em 1950, e gravou as “três leis da robótica” na programação das engenhocas citadas na obra, que são as seguintes: 1. Não prejudicarás nenhum ser humano. 2. Ajudarás o ser humano o máximo possível. 3. Conservarás a tua própria existência, sempre que não seja à custa de violar as duas leis anteriores.
A leitura que pode ser feita a partir da obra de Asimov é que mesmo as criaturas cibernéticas inventadas pelo homem, que agem por força de sua programação tecnológica, devem seguir um código moral. Ou seja, devem servir sem deixar um rastro de malefícios ao homem e à natureza.
A quem se interessa pelos aspectos filosóficos e práticos da ética e da moral, as poucas considerações aqui feitas servem de início para trilhar a estrada do conhecimento acumulado sobre o assunto, que é amplo e vasto.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos




