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Um tema sobre o qual não há consenso é a educação obrigatória. Uma das razões é o fato de os modelos de educação disponíveis terem sido construídos sob forte influência política e ideológica. Todos os regimes políticos adotaram um modelo de educação que julgaram adequados a seu projeto de sociedade.
Desde a educação infantil até os últimos graus de educação superior, inclusive os doutorados, nada escapou de ser contaminado pelas diversas correntes políticas e ideológicas que atingiram as nações em todos os lugares e todos os tempos.
Dito isso, é possível contar a história da educação ao redor do mundo tal qual ela aconteceu na realidade, com a ressalva de que sobre os mesmos atos reais sobram avaliações tanto positivas quanto negativas.
Um exemplo se refere à educação pública obrigatória aplicada no mundo ocidental, que não raro é contada como importante avanço social que teria democratizado o saber e promovido a evolução da ciência, da tecnologia e dos meios de ascensão profissional e social.
O problema não está em oferecer treinamento técnico e habilidades para o trabalho funcional no sistema industrial nascente, mas em abandonar o ensino intelectual, moral e criativo
Inversamente, há especialistas em história educacional que não partilham dessa avaliação e afirmam que a educação compulsória (e o modelo como foi executada) prestou-se mais a ser instrumento político de controle social do que para libertar o homem das correntes da ignorância e do jugo do Estado e seus regimes políticos.
O enredo começa na Grécia Antiga, quando crianças de Esparta eram retiradas do convívio familiar desde os 7 anos até os 30, e submetidas ao sistema de educação estatal chamado Agogê, cujo objetivo era formar guerreiros fortes, disciplinados e leais ao Estado.
Dando um salto no tempo, o nascimento do modelo moderno de educação compulsória data do século 16, quando o reformador protestante Martinho Lutero elabora sua carta aos príncipes alemães em 1524 propondo a criação do sistema de educação obrigatória. A proposta de Lutero foi adotada e vários estados germânicos implantaram escolas cristãs sob o ideal de difusão da doutrina. Mas, como sistema nacional estatal rígido, a educação obrigatória teve início na Prússia, no século 18. Entre 1713 e 1740, o imperador prussiano Frederico Guilherme I tomou medidas para expandir o exército e o poder do Estado; para tanto, criou escolas primárias obrigatórias para crianças de 5 a 12 anos. A partir daí, reformas educacionais foram feitas, fundadas na padronização de métodos, uniformes, horários rígidos, testes repetitivos, disciplina, hierarquia e obediência.
Do outro lado do mundo, o economista e filósofo Murray Rothbard menciona, em seu livro Education: Free and Compulsory, momentos nos Estados Unidos em que a educação, assim como em países europeus, se tornou uma questão de Estado.
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O modelo prussiano de educação obrigatória, que era centrado em formar soldados e operários, despertou entusiasmo mundo afora, inclusive nos Estados Unidos que, no século 19, copiaram esse modelo após educadores como Horace Man (1796-1859) terem visitado a Prússia para ver o funcionamento do modelo prussiano. Em 1852, Massachusetts se tornou o primeiro estado norte-americano a adotar oficialmente a educação obrigatória. Nos 50 anos seguintes, quase todos os estados da federação haviam seguido o mesmo caminho.
O Canadá seguiu rapidamente os passos dos Estados Unidos e replicou boa parte da estrutura prussiana em seu sistema educacional. Seguindo a onda, outros países ocidentais adotaram trajetórias semelhantes e, na virada para o século 20, a maioria das nações europeias já havia adotado a educação obrigatória inspirada na formação de operários e soldados, em detrimento do pensamento crítico e do progresso intelectual.
O problema não está em oferecer treinamento técnico e habilidades para o trabalho funcional no sistema industrial nascente, mas em abandonar o ensino intelectual, moral e criativo capaz de dotar o educando da capacidade de pensar, teorizar e inventar. Registre-se que a necessidade de prover o próprio sustento encaminha crianças e adultos para a educação que forneça uma profissão a ser exercida com objetivo de renda, situação essa rejeitada como prioridade na educação básica.
Elwood Cuberley, diretor da Escola de Educação de Stanford, fez a seguinte observação em 1916: “Nossas escolas são de certa forma fábricas onde as matérias-primas, as crianças, são moldadas e transformadas em produtos adequados às exigências da vida”. O crítico John Taylor Gato também apresentou sua reprovação à ideia da educação estruturada segundo critérios de eficiência e obediência, que, segundo ele, dá prioridade ao interesse da produção industrial em detrimento da emancipação intelectual do educando.
Para Arthur Schopenhauer, o tipo de sistema educacional dominado e controlado não admite a independência de pensamento, mas apenas adesão e conformismo
A ideia de que esse sistema suprimia a autonomia intelectual era defendida por analistas como o filósofo Charlie Sanders Pierce; em um ensaio a respeito, ele disse que ideias e crenças podem ser fixadas não somente em indivíduos, mas em sociedades inteiras, por imposição das autoridades, substituindo a vontade individual pela do Estado. Talvez Pierce não tenha imaginado que o Estado pudesse assumir o poder de proibir ideias contrárias e impedir sua expressão, defesa ou ensino, eliminando a possibilidade de mudança de pensamento e mantendo o povo na ignorância para jamais descobrir razões para pensar diferente.
O caso do Brasil pode ser resumido em poucas linhas. Com a chegada da expedição do primeiro governador geral, Tomé de Sousa, chegava a Companhia de Jesus, com uns poucos jesuítas sob o comando do padre Manuel da Nóbrega. Os jesuítas implantaram a primeira instituição educativa no Brasil, que nada mais era do que uma escola primária para ensinar a ler, escrever, contar e cantar.
O governo brasileiro não assumiu responsabilidades relevantes na oferta de educação nem após a expulsão dos jesuítas, ocorrida em 1759 por decreto do Marquês de Pombal. Com a saída dos jesuítas, outras ordens religiosas assumiram alguns colégios e escolas. A Companhia de Jesus retornou ao Brasil somente em 1841, portanto, 82 anos após sua expulsão. E o Brasil seguiu sendo um país de analfabetos, sem uma política nacional de educação para toda a população.
Nessa linha histórica surge Arthur Schopenhauer, filósofo crítico e genial, para dizer que esse tipo de sistema educacional, dominado e controlado, não admite a independência de pensamento, mas apenas adesão e conformismo. Parando este relato no início do século 20, vale registrar o que disse Schopenhauer: “A educação continuada e o autoaprendizado são algumas das poucas alegrias reais da existência e talvez os únicos recursos para a felicidade autêntica, por mais escassa que esta seja neste mundo trágico”. E a polêmica continua.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos




