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O título deste texto sugere dois temas que têm vida própria, porém estão fortemente conectados. O empreendedorismo, que é decisivo na definição do padrão da vida material da sociedade; e a empresa familiar, que da mesma forma é uma instituição da qual o país depende diretamente para ser mais próspero ou menos próspero.
No caso da empresa familiar, sua elevada importância deriva de que a absoluta maioria das empresas são sociedades familiares. Se excluirmos as empresas estatais e as multinacionais, praticamente todas as demais empresas são familiares, mesmo entre as sociedades anônimas com ações na bolsa de valores.
Recentemente, entre os anos 2020 a 2023, o mundo empresarial foi atingido por uma hecatombe nunca vista antes: a pandemia global do coronavírus e a paralisação da atividade econômica em nível assustador, com as pessoas ficando trancadas em casa mais de dois anos, tempo em que milhões de empresas trancaram suas portas.
O mundo foi colocado em prisão domiciliar e a população apavorada ficou sem saber o que viria depois. O Brasil, assim como o resto do mundo, enfrentou e continua enfrentando o desafio gigantesco de sair da devastação econômica e reorganizar a produção, o trabalho e os negócios em geral.
No cenário econômico e social há três atores majoritários: os trabalhadores, os empresários e os governantes, cada qual com sua missão e seus obstáculos, que não são iguais. Todos são importantes, mas ao empreendedor é reservado um papel especial: o mais importante de todos.
Roberto Campos (1917-2001), o velho, usava de fina ironia para dizer que, dos muitos “ários” que há por aí, o mais importante é o empresário. Operário, todos podemos ser. Funcionário (público), todos queremos ser, pois o emprego é estável e a aposentadoria é generosa. Missionário, é fácil ser, já que a mercadoria é prometida para outra vida.
Empresário, por sua vez, é difícil ser, com sua complexa missão de descobrir oportunidades, investir, gerar empregos, produto, renda e pagar impostos, submetido
a todos os riscos da atividade. Abrir um negócio, fazer investimentos, disputar mercados e correr riscos são desafios que fazem do empreendedor um animal raro e necessário.
Os anticapitalistas acham que o empresário é um privilegiado que vive feliz e faz o que quer. Ledo engano! O empresário é condicionado pelas exigências do consumidor, e deve ajustar suas ações aos interesses do mercado, se não quiser sucumbir.
A pandemia foi uma tempestade que rompeu a normalidade, impôs sacrifícios monstruosos a empresários e trabalhadores. Quando as atividades foram retomadas, as empresas estavam debilitadas por prejuízos, finanças abaladas, dívidas não pagas... um verdadeiro caos econômico e social.
Sobre as empresas familiares, faço uma observação que me chamou a atenção. No dia 22 de outubro de 2020, o jornal Valor Econômico publicou matéria com a seguinte manchete: “Maioria das empresas no país não dura 10 anos, e 1 de 5 fecha após um ano”.
Em manchete secundária, o jornal dizia: “Segundo o IBGE, das empresas nascidas em 2008, apenas 25,3% continuam em pé em 2018”. Ou seja, em 10 anos, desapareceram 74,7% das empresas abertas em 2008.
Os dados acima referem-se ao Brasil. Eu resolvi examinar o caso do Estado do Paraná e, segundo estudo publicado pela empresa de auditoria e consultoria KPMG, 53 empresas paranaenses foram vendidas para grupos de outros Estados ou de fora do país somente nos três primeiros trimestres de 2019.
Esse quadro mostra que, das empresas familiares locais que crescem, é grande o número das que acabam quebrando, fechando sem quebrar ou sendo vendidas para grupos de fora do Estado.
Muitas famílias empresárias têm dificuldades de entender que em sua existência há quatro territórios distintos: a propriedade, a família, a empresa e a gestão. Cada um desses territórios tem sua lógica interna própria, com aspectos que os diferenciam e exigem tratamento profissional e eficaz.
Além de intrigante, o elevado número de empresas vendidas para grupos de fora do Estado permite afirmar que muitas empresas familiares atualmente estão sendo corroídas por problemas que, mais adiante, vão levá-las para o mesmo fim.
Um dos problemas vem de uma conquista: o sucesso. Um dos grandes inimigos do sucesso de hoje é o sucesso de ontem. Os vencedores correm o risco de desenvolver exagerada autoconfiança e se tornarem arrogantes, crentes em sua infalibilidade.
Outro erro do empreendedor é não entender que ele é o criador e a empresa é a criatura, e que essa criatura tem leis próprias: leis científicas e leis jurídicas que, se não forem obedecidas, levam seu negócio à falência e à venda em condições desvantajosas.
Esse assunto é longo e complexo e merece mais análise, mas por enquanto deixo aqui duas mensagens: 1) ninguém, nem o mais competente dos homens, é infalível e, por óbvio, todos vão envelhecer, enfraquecer e morrer; 2) uma regra boa e uma providência eficaz devem ser implantadas antes de serem necessárias, não quando já é tarde demais para reverter os estragos e curar as feridas instaladas.




