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José Pio Martins

José Pio Martins

Mudanças drásticas

O mundo em que você nasceu acabou

Primeira Guerra Mundial
Ataque francês com gás e lança-chamas na Bélgica: Primeira Guerra Mundial foi o primeiro conflito em que ocorreu o uso de armas de destruição em massa. (Foto: U.S. National Archives and Records Administration/Wikimedia Commons/Domínio público)

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O mundo sempre mudou. Isso não é novidade. A novidade é a rapidez e a profundidade das mudanças. Atualmente, o mundo vive um dos períodos mais intensos de transformações rápidas e radicais. Talvez o período mais parecido com o atual esteja nos 40 anos de 1905 a 1945.

Quando começou a Era Cristã, no ano 1, a população mundial era de 200 milhões. Foram necessários 1.830 anos para o mundo atingir 1 bilhão de habitantes, época que coincidiu com a Revolução Industrial e o grande salto no sistema de transportes.

A máquina a vapor, vista hoje como uma tecnologia simples, deu ao mundo a estrada de ferro, o trem de ferro e o navio a vapor. A partir daí, o mundo, que era lento e dependente do cavalo, da carroça e do navio à vela para transportar pessoas e cargas, nunca mais foi o mesmo.

Na segunda metade do século 19 e início do século 20, veio nova onda tecnológica, com invenções transformadoras como o domínio da eletricidade, o motor a combustão, a indústria do petróleo, a anestesia, a máquina de escrever, o telefone, o rádio, o cinema, o antibiótico, o microscópio eletrônico, o avião etc.

O mundo vive um dos períodos mais intensos de transformações rápidas e radicais, comparável apenas aos 40 anos entre 1905 e 1945

Tirei o título deste artigo de uma fala do professor historiador De Leon Petta, especialista em política e relações internacionais, na qual ele afirma que as mudanças atuais transformarão o mundo de maneira drástica, diferente de tudo o que já vimos na história mundial.

Para o professor De Leon, o mais próximo da profundidade e velocidade das mudanças atuais foram as ocorrências e as transformações do mundo no período que vai de 1905-1945, quando o panorama político, econômico e social do planeta passou por mudanças radicais.

Nesse período de 1905 a 1945, pela primeira vez vimos uma potência asiática (o império do Japão) derrotando uma potência europeia (o império da Rússia), em 1904. Vimos também a Primeira Guerra Mundial e, pela primeira vez, as armas de destruição em massa (as armas químicas) e a mobilização de milhões de soldados ao mesmo tempo.

Aqui cabe destacar um interessante aspecto histórico. Nos livros sobre as guerras ao redor do mundo antes do século 20, sempre topamos com a expressão “campo de batalha”, local onde os soldados se digladiavam fisicamente e ali se matavam. A Primeira Grande Guerra, que vai de 1914 a 1918, mostrou a morte de milhões de soldados sem o confronto direto e pessoal.

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Seguindo nos grandes acontecimentos, vimos a gripe espanhola, nos anos 1920, uma pandemia global que exterminou milhões de vidas, poucos anos após a consolidação da revolução comunista russa que se iniciara em 1917.

As mudanças continuaram e, em dezembro de 1922, foi formada a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, composta por 15 países, evento que mudou completamente a face da geopolítica mundial.

Na sequência, em 1929 o mundo foi abatido pela Grande Depressão econômica, que aprofundou a pobreza, o desemprego e o desespero. As mudanças seguiram e, em 1933, o nazismo começou a se implantar com a subida de Hitler ao poder; em 1939, ele lançaria a Alemanha na Segunda Guerra Mundial.

Vale observar que um erro grave, que ajudaria a empurrar a Alemanha para a Segunda Grande Guerra, foi a decisão dos países vencedores da Primeira Guerra Mundial de, no Tratado de Versalhes, em 1919, imporem pesadas indenizações e perda de território sobre a Alemanha, como reparação de guerra.

Tendo atingido 2 bilhões de habitantes em 1930, o mundo foi contaminado por elevado otimismo nos anos seguintes ao fim da Segunda Guerra Mundial

O economista John Maynard Keynes, representante do Tesouro Britânico na Conferência de Paz em Paris, retirou-se da comissão por discordar das pesadas punições impostas à Alemanha e por julgar que era um erro tripudiar sobre o país derrotado. Keynes registrou suas opiniões no livro As Consequências Econômicas da Paz, e ele foi profético: a Alemanha foi à Segunda Guerra apenas 20 anos depois.

Nessa Segunda Guerra Mundial (1939-1945), vimos o lançamento de duas bombas atômicas, em agosto de 1945, em Hiroshima e Nagasaki. Foi um evento assombroso como os últimos atos daquele conflito sanguinário, o maior da história, que deixou dois continentes devastados.

Examinando o histórico dos últimos 150 anos, chamou-me a atenção que, tendo atingido 2 bilhões de habitantes em 1930, o mundo foi contaminado por elevado otimismo nos anos seguintes ao fim da Segunda Guerra, e a população cresceu para 3 bilhões de habitantes em 1960.

A explicação para a onda de otimismo e esperança no pós-1945 reside em parte na explosão de crescimento material e tecnológico como nunca visto antes. O crescimento populacional, as mudanças tecnológicas e a longa lista de inovações disruptivas criaram milhões de empregos e centenas de novas profissões, com profundas mudanças sociais e culturais.

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Um fato surpreendente nos 35 anos seguintes foi a recuperação acelerada da Alemanha, com um dos mais espetaculares desempenhos econômicos em prazo curto, que veio a contribuir para a onda de otimismo. A humanidade passou, então, a enfrentar o desafio de viver em um mundo que estava acabando e dando lugar a outro, mais moderno e mais desafiador.

O movimento de globalização que abarcou os 40 anos entre 1945 e 1985 colocou pessoas, empresas, governos e organismos internacionais diante do desafio de “mudar ou perecer”. O saudosismo passou a não ter mais lugar, pois o velho mundo deixara de existir.

Agora, no início do século 21, com a quarta revolução tecnológica (que de certa forma reduziu um pouco sua velocidade nos 15 anos após 2010), surgiu o mais grave fenômeno econômico e social: a crise demográfica.

Tendo chegado a 2022 com 8,2 bilhões de habitantes – o que significa uma mudança gigantesca comparada com a população de 1 bilhão de habitantes em 1830 –, a população do mundo pode cair para 4,7 bilhões até 2110.

Em menos de duas décadas, nossa população parará de aumentar e, em seguida, começará a diminuir, podendo chegar a 2100 com 50 milhões de habitantes a menos

Trata-se de uma crise demográfica de enormes proporções, sobretudo por não ser apenas a crise da baixa natalidade, mas também a da alta longevidade. Ou seja, o número de nascimentos cairá aceleradamente, enquanto a expectativa média de vida aumentará e o mundo terá uma população de idosos em muito maior proporção.

Segundo cálculos especializados, para a população não aumentar nem diminuir é preciso que o número médio de filhos por mulher seja de 2,1. Mas o que estamos vendo são países com muito menos filhos, como a Coreia do Sul, com 0,7 filho por mulher, taxa que faria a população coreana desaparecer em 200 anos.

Na Europa, a diminuição da população já começou; na China, a previsão é que a população de 1,4 bilhão caia à metade nos próximos 100 anos; e, agora surgiu a bomba do Japão: no ano passado, o Japão perdeu 1 milhão de habitantes, número enorme para um país de 125 milhões de habitantes. O primeiro-ministro japonês, Shigeru Ishiba, fala em “emergência silenciosa” e promete políticas para enfrentar o problema.

Essa situação já está chegando ao Brasil. Em menos de duas décadas, nossa população parará de aumentar e, em seguida, começará a diminuir, podendo chegar a 2100 com 50 milhões de habitantes a menos. Já é hora de estudar o problema, prever as consequências e pensar sobre o que fazer a respeito, como indivíduos e como sociedade. O mundo em que você nasceu acabou.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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