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Detalhe da Torre do Relógio, na Cidade Universitária da USP, em São Paulo.
Detalhe da Torre do Relógio, na Cidade Universitária da USP, em São Paulo.| Foto: Caio de Benedetto/USP Imagens

Na Praça do Relógio, no câmpus da Universidade de São Paulo (USP), brilha imponente a Torre do Relógio, obra desenvolvida nos anos 1950 pelo arquiteto paulistano Rino Levi, mas inaugurada somente em 1973 pelo reitor Miguel Reale, jurista e filósofo. Reale declarou: “No universo da cultura, o centro está em toda a parte”, para se referir ao fato de que tudo quanto há numa sociedade humana – a ciência, o conhecimento, a economia, a justiça, a política, o governo, a moral, etc. – é iluminado pela alta cultura e dela depende.

São 12 desenhos gravados na obra, seis representando o Mundo da Fantasia (poesia, ciências sociais, ciências econômicas, música, dança e teatro, arquitetura e artes plásticas, filosofia) e seis representando o Mundo da Realidade (astronomia, química, ciências biológicas, física, ciências geológicas, matemática). Doado à USP pela colônia portuguesa em São Paulo, o projeto teve sua pedra fundamental lançada em 1954, mas as obras atrasaram e, como disse, a inauguração se deu em 1973.

“No universo da cultura, o centro está em toda a parte”: esse brado de Miguel Reale alertava que o desenvolvimento de um país, sua economia, sua educação e o bem-estar de seu povo perpassam os conhecimentos e os saberes daquelas ciências (além de outras) dos dois mundos – o da fantasia e o da realidade; desaparecendo a alta cultura, tudo retrocede.

Não é preciso ser nenhum gênio das ciências, da filosofia ou das artes para perceber que algo está errado com os rumos que a alta cultura tomou no país

Pois o Brasil vem experimentando, há décadas, se não a destruição total, pelo menos a degradação da alta cultura, cedendo vaga para a mediocrização de quase tudo. O apodrecimento das instituições, a ineficiência dos aparatos estatais, o derretimento da moral pública, a pobreza do debate político, a falência mesma das estruturas políticas, o baixo nível educacional e a desorganização legal do país são o retrato do descaso com a ciência, o conhecimento, a educação, a cultura.

Uma prova dessa degradação da alta cultura está na pobreza intelectual dos debates nos parlamentos da federação brasileira e nos meios públicos, a começar pela agressão da língua portuguesa e pela falta de vergonha de ignorar, de desconhecer, de dar opiniões sem base e palpites em assuntos sobre os quais nada se entende, a não ser lampejos superficiais.

Quem se der ao trabalho de assistir aos debates sobre os mais diversos assuntos no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas ou nas Câmaras Municipais perceberá que, definitivamente, o debate é pobre, os argumentos são superficiais, o rigor metodológico do discurso inexiste e há uma cruel ausência dos conhecimentos mínimos sobre a língua nacional, a lógica formal e as teorias do argumento. Enfim, a incultura é a norma. Acompanhar discussões sobre temas como reforma política, reforma tributária, revisão dos códigos jurídicos e outros tantos projetos para regular a vida nacional, seja nos parlamentos ou nos meios de divulgação, é verificar a prova da pobreza de conhecimento e argumentos.

O empobrecimento da alta cultura no Brasil atingiu os mais variados campos, como a música, o cinema, o teatro, o esporte e a literatura. Não é preciso ser nenhum gênio das ciências, da filosofia ou das artes para perceber que algo está errado com os rumos que a alta cultura tomou no país, a começar pela ausência de livros, filmes, peças, obras e autores brasileiros com destaque no cenário mundial. Perante o mundo, o Brasil não existe nem nos meios de cultura popular, como cinema, Netflix e similares.

Não é de surpreender que o Brasil esteja sempre nos últimos lugares nos testes internacionais de educação, a exemplo do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), um estudo comparativo internacional feito a cada três anos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que avalia o desempenho de estudantes concluintes da escolaridade básica, abrangendo o domínio de leitura, matemática e ciências.

O problema é complexo, o assunto é longo, mas numa introdução bem inicial é possível concluir que, se o país não reverter a degradação do sistema educacional, não melhorar a escolaridade e não progredir na aquisição de alta cultura capaz de elevar a inteligência nacional em tudo que diga respeito à ciência, ao conhecimento, ao saber e às artes, o crescimento econômico, o desenvolvimento social e a melhoria do padrão de vida podem não vir em décadas próximas.

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