Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
José Pio Martins

José Pio Martins

Administração moderna

Sobre tirania empresarial

Os líderes brasileiros passam 11 horas por dia nas empresas, e mais da metade do tempo em reuniões. (Foto: Freepik)

Ouça este conteúdo

Em meados de 2007, quando estourou a crise imobiliária nos Estados Unidos, grandes bancos apresentaram gigantescos rombos financeiros. A crise se alastrou e contaminou toda a economia do país e, a partir de 2008, a tragédia atingiu parte do mundo, sobretudo países da Europa, e ganhou o nome de “crise financeira mundial”, em razão de sua força destruidora.

Em meio à tragédia, o presidente George Bush aprovou, na época, um pacote de ajuda financeira para salvar bancos e empresas, tentando evitar o fundo do poço. Logo após ser salva com dinheiro público, a empresa gigante de seguros AIG pagou 165 milhões de dólares de bônus aos mesmos executivos que arruinaram a organização.

A decisão da AIG causou enorme revolta e nos faz lembrar Peter Drucker, o grande teórico da administração, talvez o mais importante, austríaco radicado nos Estados Unidos até 2005, quando faleceu aos 96 anos.

Peter Drucker é considerado o pai da administração moderna, cujos ensinamentos estão expressos em 39 livros publicados ao longo de sua vida. No prefácio da edição de 1973 do livro Management: Tasks, Responsibilities, Practices, Drucker se refere ao que ele chamou de “a tirania empresarial” e os perigos que ela representa.

“No período curto de 50 anos, nossa sociedade tornou-se uma sociedade das instituições, na qual cada tarefa social relevante tem sido confiada às grandes empresas, desde a produção de bens econômicos até os serviços de assistência médica, seguro social, previdência e educação”, dizia ele.

E Drucker acrescenta: “Fazer nossas instituições atuarem de forma responsável, autônoma e em alto nível é a única salvaguarda da liberdade e da dignidade. Mas são os administradores que fazem as instituições atuarem. Uma administração responsável é a alternativa à tirania e nossa única proteção”.

O mundo tem meios para conciliar lucro e retorno ao acionista com práticas sociais positivas

Nesse texto de 1973, Drucker dizia estar horrorizado com a ganância dos executivos, e muitos acharam que ele estava sendo pessimista e sentimental demais. Mas Drucker insistiu em sua posição.

“As empresas estão longe de ser perfeitas. Como os gestores sabem, elas são muito difíceis, cheias de frustrações, tensão e atritos, desajeitadas e incômodas. Mas elas são as únicas ferramentas que temos para alcançar propósitos sociais tais como produção e distribuição de bens, assistência médica, serviços pessoais e educação”, ele acrescentou.

Diante dos desmandos e desatinos de alguns empresários e executivos, cabe à sociedade e ao governo dotar o país de legislação eficiente para regular as atividades empresariais e punir exemplarmente o comportamento antiético e fraudulento. A lei é mais importante para frear o mal do que para ordenar o bem.

Drucker ainda queria que as empresas colocassem o ser humano no foco de suas preocupações. Sem descuidar dos imperativos da eficiência e da competição, os executivos deveriam impedir que a empresa se tornasse uma máquina trituradora de gente e geradora de infortúnio para funcionários e clientes.

Relendo Peter Drucker, vemos que, quando o bolso do acionista ou do executivo é abastecido à custa do empregado, do cliente e do contribuinte – como ocorreu no caso dos bônus dos homens que destruíram a AIG –, é hora da sociedade e do governo reagirem para conter os abusos. Como disse o filósofo André Comte-Sponville: “Na ausência da ética, a lei”.

Esse tema também foi tratado por Rajendra Sisodia, um indiano professor no Babson College, Estados Unidos. Ele fundou um movimento chamado “Capitalismo Consciente”, sob um princípio fundamental: a meta das empresas deve ser o bem-estar da sociedade, além do lucro.

Rajendra e o consultor Michael Gelb publicaram o livro Empresas que Curam (Ed. Alta Books, 2020), com o subtítulo “despertando a consciência dos negócios para ajudar a salvar o mundo”, sempre lembrando que isso não significa eliminar o lucro, combustível sem o qual a empresa não sobrevive nem prospera.

Sua proposta de que as empresas não se guiem somente pelo lucro, mas pensem nas pessoas e na sociedade, pode parecer ingênua para alguns. Mas não é. O mundo tem meios para conciliar lucro e retorno ao acionista com práticas sociais positivas. É isso!

VEJA TAMBÉM:

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.