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Karina Kufa

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Pesquisa

A falácia do apoio popular à regulação das redes: o que os números mostram de fato

Redes sociais
(Foto: Julian Christ/Unsplash)

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A pesquisa recente realizada pela Nexus Pesquisa e Inteligência de Dados revela um resultado que merece análise mais detida: segundo o estudo, 60% dos brasileiros apoiariam algum tipo de controle sobre as plataformas digitais. No entanto, uma avaliação aprofundada não apenas dos números, mas do contexto em que a pesquisa foi realizada, revela aspectos preocupantes sobre como a narrativa da regulação vem sendo construída no debate público.

O primeiro ponto crucial – também constante na pesquisa - é que metade desses apoiadores (30% do total) condiciona seu suporte à preservação integral da liberdade de expressão. Quando somamos este percentual aos 29% declaradamente contrários a qualquer regulação, chegamos a um expressivo contingente de 59% da população que rejeita o cerceamento deste direito fundamental. Este dado demonstra que, apesar da campanha – inclusive midiática - em favor da regulação, a maioria dos brasileiros se mantém firme na defesa do direito constitucional à livre manifestação do pensamento.

Quanto aos 28% dos entrevistados que defendem a regulação mesmo com potenciais restrições a direitos fundamentais, há que se considerar que estes muito possivelmente o fazem sem estarem plenamente esclarecidos das implicações dessa escolha.

Apesar da campanha em favor da regulação, a maioria dos brasileiros se mantém firme na defesa do direito constitucional à livre manifestação do pensamento

Esta percepção pode ser resultado direto do atual cenário da mídia - já marcado pelo tolhimento de conteúdos e pelo direcionamento da opinião pública por meio dos grandes veículos de comunicação. Em outras palavras, o apoio à regulação – sempre restritiva, a julgar pelos acontecimentos recentes, como se verá adiante - pode ser fruto do próprio ambiente já contaminado por limites de informação.

A questão principal, normalmente negligenciada no debate público, transcende os números: quem deterá o poder de definir o que constitui desinformação? A experiência mostra que estruturas instituídas como "guardiãs da verdade" invariavelmente se convertem em instrumentos de controle narrativo, distanciando-se de sua suposta missão de garantir a confiabilidade da informação.

No contexto brasileiro, esta preocupação ganha contornos ainda mais graves quando analisamos o histórico recente de decisões judiciais que restringem a liberdade de expressão. O bloqueio da plataforma X (antigo Twitter) por determinação do Supremo Tribunal Federal sintetiza o uso do aparato estatal para limitar o acesso a meios de comunicação sob o pretexto do combate à desinformação - medida que seria impensável em democracias consolidadas.

Do ponto de vista jurídico, a ausência de critérios objetivos e mecanismos efetivos de transparência e prestação de contas para definir "informação confiável" representa uma violação ao princípio da segurança jurídica. O art. 5º, IX, da Constituição Federal estabelece que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença". A imposição de uma regulação com poderes para determinar o que pode ou não ser publicado configuraria uma forma de censura, expressamente vedada pelo texto constitucional.

A estrutura proposta para regulação das redes sociais remete ao conceito orwelliano do "Ministério da Verdade", onde o controle da informação se traveste de proteção ao interesse público. A subjetividade inerente ao conceito de "desinformação" o deixa particularmente perigoso como fundamento para restrições à liberdade de expressão. Durante a pandemia, por exemplo, opiniões divergentes sobre políticas sanitárias foram rotuladas como desinformação, mas posteriormente se mostraram legítimas ou até precisas em determinados aspectos.

Mais preocupante ainda é o fato de que um próximo passo natural deste processo de regulação seria a implementação de mecanismos de censura prévia, similar ao modelo chinês, onde conteúdos necessitam de validação anterior à publicação. Tal cenário representaria a extinção da liberdade de expressão no ordenamento jurídico brasileiro e uma afronta direta aos princípios democráticos estabelecidos na Constituição de 1988.

A narrativa que busca justificar a regulação sob o argumento da "proteção da população contra a desinformação" mascara uma tentativa de controle que beneficia grupos políticos específicos. O verdadeiro desafio não está em garantir a confiabilidade das informações, e sim em impedir a concentração do poder de definir verdades oficiais sem o devido processo de debate público e transparência.

A solução constitucionalmente adequada para o enfrentamento da desinformação reside no fortalecimento do debate público, não em sua restrição. O combate a informações falsas se faz por meio do confronto de ideias, da apresentação de evidências e do exercício do contraditório - princípios basilares do Estado Democrático de Direito.
A liberdade de expressão, como direito fundamental, só pode ser considerada protegida em um ambiente onde o debate seja livre e as ideias possam ser contestadas abertamente. Qualquer tentativa de regulação que resulte em censura – posterior ou prévia - representa um retrocesso democrático e uma violação aos preceitos constitucionais que fundamentam nossa ordem jurídica.

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Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

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