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Karina Kufa

Karina Kufa

Aparência e competência

Elogio ou machismo? Como obter respeito na carreira sem abrir mão da feminilidade

(Foto: Jônatas Dias Lima com Dall-E)

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Houve momentos em que achei desagradável que exaltassem a beleza e me perguntava: por que não falaram da minha inteligência e sagacidade? Não é que eu não goste de elogios à minha aparência física – pelo contrário –, mas não entendia a pertinência daquele elogio quando, naquele instante, o que eu desejava evidenciar era o meu profissionalismo.

Isso vem acontecendo desde o meu primeiro emprego, quando ainda era menor de idade. Para ressaltar minhas habilidades profissionais, passei a usar roupas que escondiam meu corpo, óculos que disfarçavam meu rosto e, muitas vezes, roupas que até meu filho dizia serem de “velha”. Afinal, qual mulher se esforça para parecer feia? Pode ter certeza de que são muitas.

Somente aos 40 anos, quando já tinha maturidade e segurança, passei a me dar o luxo de usar roupas mais joviais e abandonei os óculos para me sentir mais bonita. Sinto que, depois de conquistar respeito e um espaço relevante no mercado de trabalho, minha aparência não mais importa – posso ser bonita sem correr o risco de constrangimentos, afinal, hoje tenho mais habilidade para lidar com assédio e brincadeiras de mau gosto. Até para isso, é preciso ter competência para não sermos taxadas de grosseiras e mal-amadas.

Esse sentimento pode parecer absurdo para alguns, mas somente quem já viveu sabe do que estou falando.

Sinto que, depois de conquistar respeito e um espaço relevante no mercado de trabalho, minha aparência não mais importa – posso ser bonita sem correr o risco de constrangimentos

Recentemente, foi noticiado que Lula afirmou ter nomeado uma “mulher bonita” para melhorar as relações institucionais. Essa frase traz elementos de desvalorização da mulher, ressaltando que a escolha não recaiu sobre habilidades interpessoais, mas sobre critérios subjetivos relacionados à aparência física. Se estivéssemos num concurso de beleza, esse comentário seria extremamente apropriado; porém, estamos tratando de um dos cargos mais importantes do Executivo, responsável por conduzir as relações com um legislativo composto por mais de 80% de homens.

Esse episódio trará mais insegurança entre os envolvidos, especialmente para a ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, que terá que provar sua competência o tempo todo. Se já se noticiava que ela não conseguiu pacificar o partido que liderou — e não me cabe julgar se isso é verdade ou uma narrativa criada por pessoas que queriam ocupar o seu espaço —, hoje, depois dessa fala, seu trabalho enfrentará muito mais provações, já que a beleza é a última coisa que contribuirá para melhorar a relação entre o Executivo e o Legislativo.

Devemos observar esses episódios para compreender a problemática de um “simples elogio inocente” e aprender a nos colocar no lugar da outra pessoa. Hoje, minha maior satisfação é me sentir respeitada entre tantos homens do meu ambiente de trabalho, sem precisar abrir mão da minha feminilidade. Não afirmo que meus problemas acabaram, mas manter uma postura firme e mais discreta me ajudou a ocupar esse espaço.

O que desejo para a nossa sociedade não são privilégios para as mulheres, mas apenas respeito e liberdade para exercermos nossa profissão, buscando alcançar espaços de poder. E, ao falar de respeito, incluo as mulheres que pensam diferente e buscam outros objetivos para suas vidas.

Se o mundo aprendesse a valorizar um único preceito básico — o respeito — poderíamos ter um ambiente muito mais saudável, em que os elogios deixassem de ser avaliados apenas pelo olhar de quem os faz.

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Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

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