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Karina Kufa

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Linguagem

Quando tudo é “extremismo”: a manipulação semântica no debate político

(Foto: Criado com ChatGPT)

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"Codazos en la ultraderecha brasileña para tomar el relevo de Bolsonaro" - assim o jornal espanhol El País, em sua edição de 02 de fevereiro de 2025, retrata o atual momento político brasileiro. A manchete, que analisa o posicionamento de lideranças como Tarcísio de Freitas e Romeu Zema, ilustra precisamente a tendência sistemática de rotular automaticamente como "ultradireita" qualquer liderança que surja do campo político conservador.

Esta classificação apressada revela um fenômeno preocupante: a rotulação repetida de atores políticos conservadores como representantes da "extrema-direita". Tal caracterização, além de imprecisa, evidencia uma estratégia deliberada de desqualificação do debate público. É sintomático que mesmo veículos de comunicação tradicionais brasileiros, ao tentarem estabelecer critérios objetivos para classificar posições políticas - como fez o G1 em seu artigo "Entenda o que faz um candidato ser de direita ou extrema direita" - frequentemente acabem por simplificar excessivamente o espectro político, contribuindo para confundir posições legítimas com extremismos.

Cabe questionar: o que exatamente justifica classificar estas personalidades como "extremistas"? Seria a defesa da livre iniciativa? O apoio à redução da máquina estatal? A valorização da família tradicional? Uma análise honesta demonstra que nenhuma destas pautas se aproxima da real definição histórica de extrema-direita.

Historicamente, movimentos genuinamente extremistas se caracterizam por elementos muito específicos: perseguição sistemática a opositores, estatismo totalitário, militarização do poder e severa restrição às liberdades individuais. O que vemos hoje no Brasil, rotulado apressadamente como "extremismo", nada mais é do que um conjunto de valores conservadores tradicionais, por vezes mesclados com propostas de liberalismo econômico.

Esta manipulação semântica não é inócua. Ao equiparar qualquer posição à direita do espectro político com extremismo, cria-se uma falsa equivalência entre posições políticas legítimas e regimes autoritários do século XX. É uma estratégia que visa desqualificar o debate antes mesmo que ele comece.

O que vemos hoje no Brasil, rotulado apressadamente como "extremismo", nada mais é do que um conjunto de valores conservadores tradicionais

Mais grave ainda: esta narrativa pode servir como justificativa para medidas autoritárias contra adversários políticos. Afinal, se determinado grupo é rotulado como "extremista", torna-se mais fácil defender restrições à sua participação no processo democrático.
O resultado deste processo é o empobrecimento do debate público. Quando abandonamos a análise racional em favor de rótulos vazios, perdemos a capacidade de discutir ideias com profundidade. A complexidade do pensamento conservador é reduzida a caricaturas que em nada contribuem para o avanço da democracia.

Para construirmos um ambiente político mais saudável, é fundamental que a imprensa e os formadores de opinião abandonem esta prática de rotulação automática. A direita brasileira, em suas diferentes manifestações, merece ser analisada com o mesmo rigor e seriedade dedicados a outras correntes políticas.

O momento exige maturidade institucional. Precisamos superar a fase das rotulações vazias e estabelecer um debate baseado em ideias, propostas e resultados concretos. A prática sistemática de rotulação não prejudica apenas a direita - representa uma ameaça à própria essência do debate democrático.

A desqualificação de opositores por meio de rótulos já mostra seus efeitos corrosivos até mesmo na esquerda brasileira. Vozes divergentes são rapidamente silenciadas com etiquetas depreciativas, num ciclo que mina as bases do debate público.

O fortalecimento democrático exige mais do que a mera “tolerância” - demanda o genuíno respeito às visões contrárias e a capacidade de dialogar honestamente com elas. Ao normalizarmos a desqualificação de adversários, abrimos caminho para que amanhã qualquer um possa ser rotulado como inimigo – inclusive aqueles que hoje se utilizam dos rótulos em benefício próprio. Precisamos resgatar no Brasil a arte do debate político maduro, onde diferentes projetos de país possam coexistir e se aperfeiçoar mutuamente, sempre nos limites da Constituição.

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