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O título desta coluna parece ser meio sem pé nem cabeça, mas façamos o seguinte raciocínio. Um dos argumentos mais simplórios daqueles que defendem o desarmamento é o de que armas matam. Não deveria ser necessário dizer que elas são apenas instrumentos e que, portanto, quem mata é quem as usa. O mesmo vale para facas, machados, automóveis, pedras, porretes, venenos, castiçais, bengalas... A lista é infinita. E há quem use as armas para fazer o mal e há quem as use para fazer o bem.
Nesta semana, a administração Trump tomou uma decisão radical em relação a sua mais famosa agência de ajuda internacional, a USAID. Antes de determinar o seu fechamento, promoveu um autêntico linchamento da organização, que chegou a ser chamada de “organização criminosa”, por Elon Musk.
Os elementos mostrados até agora mostram que Donald Trump, Musk e seus aliados estão cobertos de razão em intervir na USAID. A agência se transformou em um aparato ideológico, cuja função não era a de atender os interesses dos Estados Unidos, mas da galera (isso mesmo, galera) que tomou conta dos postos de comando.
Sob o partido Democrata, a USAID funcionou como um braço partidário torrando seu orçamento em ações alinhadas com as várias agendas do partido.
No exterior, a USAID virou fachada para o financiamento de aliados que não estavam exatamente alinhados aos interesses dos Estados Unidos, mas, sim, dos planos de poder de grupos instalados na instituição.
Mas matar a USAID é a melhor solução? A resposta, penso, passa pelo mesmo problema do dilema das armas. São elas que matam ou quem mata são as pessoas que a usam? A resposta é óbvia para o exemplo e deveria ser óbvia para o caso da USAID também.
Ao implodir a USAID, o presidente Trump está flertando com algo que pode lhe custar muito na disputa pela recuperação da influência dos Estados Unidos no mundo
O fato de a agência de auxílio humanitário ter sido usada como se fosse um penduricalho partidário e para o patrocínio das pautas woke ao redor do mundo, não tira dela o seu poder original: o soft power.
Trump tem obtido muito sucesso com seu estilo incisivo, já testado com a Colômbia, México, Panamá e no Oriente Médio. Mas falar grosso nem sempre é o melhor caminho. Até ser desvirtuada como instrumento de soft power, a USAID era um modelo de ação tão eficiente que possibilitou aos americanos exercerem influência em vários contextos, sejam eles políticos, ambientais e educacionais.
O modelo da USAID foi tão bem-sucedido que os principais rivais dos Estados Unidos na atualidade também criaram a sua “usaid”. Em 2018, os chineses estabeleceram a Agência de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional da China (CIDCA). Além disso, a China usa os institutos culturais para doutrinar e recrutar lideranças nas universidades e no mundo político.
A diferença, entretanto, é que, com um orçamento infinitamente menor, a China passou a exercer um nível de influência muito mais discreto e eficiente que o americano. A diferença se baseia em três pilares. O fundamental deles é que, diferentemente do bando de aloprados que transformou a USAID em um manicômio woke, os chineses não perderam o foco nos interesses nacionais. Não gastam um centavo se não for para colaborar com os projetos que eles têm de conquista.
O segundo é o esforço de vender a China como um país suave e desinteressado que ajuda por ajudar. Uma propaganda que será reforçada como contraste aos Estados Unidos cada vez mais assertivos nas suas negociações.
O terceiro pilar é, inegavelmente, o mais injusto. Embora a USAID tenha derramado uma fortuna em projetos amalucados ao redor do mundo, muitas vezes com o interesse de comprar influência ou fazer política partidária, a agência americana não estava imune ao escrutínio das instituições. Prova disso é que os dados são públicos e nos permitem contestar, criticar e aprender como a agência foi instrumentalizada.
A China joga nas trevas. Não há a menor possibilidade de auditoria sobre o que fazer. Sendo assim, eles têm uma vantagem competitiva brutal: a captura de elites por meio de ações obscuras que incluem até a corrupção. Quem vai denunciar, averiguar ou punir? A imprensa chinesa? A Justiça chinesa? Eles podem tudo.
Há tempos, a liderança dos Estados Unidos no mundo foi contestada e está em disputa. Os Estados Unidos não têm mais as vantagens que tinham na Guerra Fria, como a economia, o livre mercado e a democracia/liberdade. A China implodiu os dois primeiros e, com a ajuda de seus aliados, minou a fé na democracia.
O estardalhaço que a máquina de desinformação russa está fazendo para enterrar a USAID deveria servir de parâmetro para todos ponderarem as ações que serão tomadas.
Trump está certo em intervir, mas pode estar errando a dose do remédio.
Conteúdo editado por: Aline Menezes





