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A democracia norte-americana vive um de seus períodos mais delicados desde a Guerra Fria. E, tal como naquele tempo, novamente os atores externos estão desempenhando um papel central no fomento à divisão social e instabilidade política. Dessa vez, porém, não se trata somente de espionagem tradicional ou infiltração de agentes em embaixadas e nas estruturas de governo. China e Rússia adaptaram-se às tecnologias do século XXI e à complexidade da democracia ocidental, descobrindo na polarização da sociedade americana um campo fértil para ações assimétricas.
Em termos de guerra de informação, a Rússia é uma veterana. Herdeira das técnicas soviéticas, Moscou continua a investir pesadamente em campanhas digitais desenhadas para fragmentar a confiança da população americana nas suas instituições democráticas.
A Agência de Pesquisa da Internet (conhecida pela sigla em inglês IRA, ou “Fábrica de Trolls”), sediada em São Petersburgo, tornou-se notória em 2016 pela manipulação de redes sociais, plantando sementes de discórdia em temas como imigração, raça e violência policial.
Em diversos processos eleitorais, a Rússia investe milhões de dólares em campanhas de desinformação com o objetivo de afetar diretamente o sentimento dos eleitores, disseminando notícias falsas e vídeos adulterados, amplificando narrativas conspiratórias que minam a confiança no processo eleitoral.
Outro exemplo relevante é a Strategic Culture Foundation, um veículo midiático ligado ao serviço secreto russo, que até hoje atua disseminando propaganda e narrativas que alimentam a desconfiança dos americanos nas suas próprias instituições.
Mas, enquanto os russos preferem estratégias ruidosas e amplamente visíveis, os chineses optam por ações sutis, pacientes e, por isso mesmo, talvez mais perigosas. A China vem investindo na manipulação indireta das comunidades asiático-americanas, usando uma agência vinculada diretamente ao Partido Comunista Chinês para recrutar, influenciar e orientar comunidades estrangeiras de origem chinesa.
Organizações de fachada, sob o argumento dos direitos das comunidades asiáticas nos Estados Unidos, estão capturando aliados e semeando discórdia em diversas localidades. Sob o “escudo” do combate à sinofobia (sentimento anti-chinês) estão atuando ativamente para promover carreiras de políticos emergentes que sejam alinhados aos interesses chineses.
Aproveitando questões legítimas, como racismo e discriminação contra asiáticos, Pequim consegue conduzir as comunidades para pautas e candidatos que sirvam estrategicamente aos planos do Partido Comunista Chines, misturando genuínas demandas sociais com objetivos geopolíticos disfarçados.
Estratégias
Essas operações não se restringem à política. Recentemente, descobriu-se que Pequim gastou milhões para captar agentes em cargos estratégicos do governo estadual de Nova York, explorando influências econômicas e culturais para obter vantagens comerciais e políticas em território americano.
Trata-se de uma estratégia inteligente e de longo prazo, na qual Pequim busca influenciar decisões políticas locais, pavimentando um caminho indireto e discreto para favorecer seus objetivos estratégicos maiores.
Essas estratégias assimétricas, tanto chinesas quanto russas, demonstram que a democracia dos Estados Unidos não está preparada para lidar com tais ameaças modernas. Ao contrário de um ataque militar convencional, essas operações não demandam recursos elevados nem riscos significativos. Exploram justamente o ponto fraco das democracias liberais: sua abertura e a confiança nas instituições e nos cidadãos.
O perigo real é que essas campanhas não apenas polarizam os cidadãos, mas também corroem a confiança básica necessária para o funcionamento saudável da democracia.
O objetivo é claro: enfraquecer os Estados Unidos internamente, garantindo vantagens estratégicas externas sem disparar um único tiro
O desafio para os EUA é compreender que está enfrentando uma nova modalidade de conflito que exige respostas inovadoras e urgentes. Se o país não conseguir reagir rapidamente, a estabilidade e a unidade interna, que historicamente foram pilares da força americana, correm o risco de ruir diante das táticas silenciosas, eficazes e destrutivas de Pequim e Moscou. Em jogo está nada menos do que o futuro da democracia americana – e, por extensão, das democracias ocidentais.
No Brasil não é diferente. Fraturas como leis ambientais draconianas, onguismo patológico que emperra o desenvolvimento e sabota a própria preservação da natureza, wokismos e até o voto eletrônico são habilmente exploradas por atores que minam a confiança na democracia. Aumentam o fosso que tem colocado a sociedade brasileira em estado de conflito interno e em processo de divórcio com a democracia.
Essa separação litigiosa se dá tanto por aqueles que acham que a democracia, tal como conhecemos ou conhecíamos, não serve mais; ou por aqueles que, a pretexto de proteger a democracia, aplaudem prisões arbitrárias, censura e perseguições. De ponta a ponta, do espectro, cada ação e reação acaba por alimentar o lado oposto, aprofundando, assim, as divergências.
Mas o que deveria ser incontornável acaba em um aparente paradoxo. Muitas vezes os polos se atraem em uma absoluta subversão da lógica. Ou em uma revelação de que os “polos” na realidade eram caminhos diferentes para se chegar ao mesmo objetivo. Rússia e China têm conseguido isso ao modular o discurso e os investimentos financeiros para calibrar as divisões e direcioná-las para concorrerem a um objetivo comum em favor de seus interesses.
A união da esquerda e da direita em torno de Putin e sua guerra de invasão, sob a pretensão de que ele é um conservador, um guardião dos valores tradicionais, um guerreiro antiglobalista e um homem de Deus, se funde com a imagem de que Putin é o herdeiro da velha União Soviética. De que ele é guardião do anticapitalismo ou quem sabe socialismo, o maior soldado antiamericano, o antídoto ao imperialismo ianque, o patriarca da nova ordem mundial. Virtudes adoradas pela direita são rejeitadas pela esquerda, e as virtudes idolatradas pela esquerda são execradas pela direita.
Putin sabe, e Xi Jinping aprendeu que, para conquistar a base e ganhar esta dimensão de uma guerra de muitos fronts, é preciso simplesmente dizer o que seu alvo quer ouvir.
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Conteúdo editado por: Aline Menezes





